"O preconceito que o gênero sofre hoje é o que a capoeira e o samba já sofreram", diz o pesquisador e professor de música Thiagson. Apesar disso, está entre os ritmos brasileiros mais tocados no exterior, de acordo com a plataforma Spotify, e ganha cada vez mais ouvintes. "A gente tem Anitta, Ludmila, MC Carol, que são funkeiras desde muito tempo, mas ainda falta", diz a MC Natitude.
Neste ano, o álbum Funk Brasil Vol. 1, do DJ Marlboro, lançado em 1989, completa 34 anos. O disco é considerado o marco zero do funk brasileiro. O disco nasceu de um encontro. Certo dia, no ano de 1986, o antropólogo Hermano Vianna presenteou o DJ Marlboro com uma pequena bateria eletrônica Boss DR-110, tirada do estúdio do seu irmão Herbert Vianna, do Paralamas do Sucesso."O Hermano Vianna me procura na rádio, ele ouvia meu programa e estava fazendo a tese de mestrado, ele queria que eu o levasse aos bailes. Um belo dia me dá a bateria eletrônica. Cara, acendeu a primeira eureca", diz Malboro. O disco, que tinha letras exclusivas em português, sofreu resistência das gravadoras e do próprio movimento funk, até então mais voltado para a música internacional. Mas o disco foi um sucesso, com milhares de cópias vendidas.
Desde a década de 80, Malboro prevê que o funk vai se espalhar. "O futuro do funk, eu já previa. Sabia que ia cada vez mais se popularizar e se transformar em música pop dançante com batida de funk. Continuar sendo voz dos excluídos", diz. O movimento se espalha, então, do Rio de Janeiro para São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santos, Pernambuco e outras capitais.
"Quanto mais artistas tinha na favela, menos violenta ela era. Vão surgindo outras pessoas como exemplo de vida de ascensão, de cidadania, de vida melhor", acrescenta Malboro.
Com milhões de ouvintes e de visualizações em clipes, o funk movimenta a economia. São vários os projetos, as gravadoras e as produtoras voltadas para o gênero musical. Entre os projetos citados nas reportagens da TV Brasil estão o Rede Funk Social, em São Gonçalo (RJ), o Projeto Estudeofunk, no Rio de Janeiro, Enxame de MC, em Recife, Pernambuco e KondZilla, que é o maior canal de música da América Latina.
"A KondZilla nasce nesse lugar de repensar como o funk é visto e é reproduzido. É posicionar nossos artistas, nosso movimento, as pessoas que constroem esse movimento do funk num lugar de artistas que têm que ser legitimados e reconhecidos pela arte que fazem", diz a gerente de artistas e repertório da KondZilla, Rachel Daniel.
O funk mudou vidas, como a da bailarina e educadora Lilian Martins, criada em Pedreira, zona sul da cidade de São Paulo. "Eu sempre fui para o baile funk, desde pequenininha, sempre assisti. Depois, com meus 15, 16 anos comecei a frequentar os bailes. Mas, eu ia de bicicletinha, ficava escondida atrás do carro e sempre via o baile como um grande espetáculo", conta.
Ela faz parte da Clarín Cia de Dança, que levou o passinho ao palco do Theatro Municipal de São Paulo, com adaptação do espetáculo Ou 9 ou 80. O 9 faz referência ao Massacre de Paraisópolis, na zona sul da cidade de São Paulo, quando nove jovens foram mortos em ação policial no baile funk DZ7 em Paraisópolis. Já o 80 faz referência ao assassinato do músico Evaldo dos Santos Rosa, 51 anos, em decorrência de uma operação do Exército, em Guadalupe, zona oeste do Rio de Janeiro. O carro de Evaldo foi atingido por mais de 80 tiros de fuzil, disparados pelos militares.
"As pessoas da comunidade não acreditam na própria potência. A gente cresceu ouvindo que o funk tinha criminalidade, inúmeras coisas que acontecem, mas nunca como expressão cultural. Eu sou a prova viva de que o funk mudou minha vida", diz Martins.
A série é dividida em cinco episódios. O primeiro aborda o surgimento do ritmo; o segundo, o funk como expressão de identidade; o terceiro, as polêmicas e preconceitos; o quarto, a cadeia produtiva e a economia; e, o último, o futuro do funk e o impacto social.