Fonte: Agência Senado
A prevenção ao suicídio e à automutilação passa em primeiro lugar pelo cuidado com a saúde mental. Essa é a visão dos especialistas que participaram de audiência pública promovida, pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS). A audiência foi feita para debater a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, instituída pela Lei nº 13.819 de 2019.
A senadora Damares Alves (Republicanos-DF), autora do pedido para a audiência, lembrou que, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), todos os anos, mais pessoas morrem como resultado de suicídio do que de aids, malária ou câncer de mama, por exemplo. Para a senadora, é importante ter a consciência de que os suicídios são um tema que deve ter atenção e atuação do poder público e de que se trata de um problema de saúde.
— Fica o recado para todos que estão nos assistindo: não tenha vergonha de dizer que está em processo de dor, em sofrimento. [ ] Procure ajuda, não subestime essa dor, não se sinta fraco. Eu sou religiosa, vocês sabem disso. Às vezes eu vejo muitas pessoas religiosas não buscando ajuda porque alguém vai dizer para ele que é falta de fé, que é falta de Deus. Não é falta de Deus, não é falta de fé. É doença mental e a gente precisa entender — alertou a senadora.
De acordo com o psiquiatra Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), apesar de o Brasil já ter uma lei que trata da política de prevenção ao suicídio, as iniciativas, por enquanto, se concentram no setor privado. Ele apontou a ausência de uma política de assistência psiquiátrica e psicológica adequadas no Sistema Único de Saúde, além de medicamentos psiquiátricos na Farmácia Popular.
— Nós temos um impasse, que é a ausência de política pública adequada para a assistência psiquiátrica que nós necessitamos no país. Pesquisas mostram que nós já temos psiquiatria de primeiro mundo no Brasil. Nós estamos exercendo no sistema privado e nós temos esses mesmos profissionais do sistema público. O que nós queremos é que seja dada no sistema público de saúde a qualidade e a resolutividade que nós damos no sistema privado — apontou o médico.
O presidente da SBP afirmou que a campanha Setembro Amarelo é importante para concentrar esforços. Além disso, na visão do psiquiatra, contribui significativamente para que as pessoas tomem conhecimento de que quase 100% dos suicídios vêm de doenças mentais e que 90% deles poderiam ser prevenidos com o acesso ao tratamento adequado.
Marcia Aparecida Ferreira de Oliveira, assessora técnica do Departamento de Saúde Mental do Ministério da Saúde, registrou a criação recente do Departamento de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas (Desme), com a intenção de fortalecer o diálogo com a sociedade para promover avanços na política de saúde mental. Ela lembrou que, em gestões anteriores, nunca houve esse departamento.
— É preciso enfatizar que, hoje, a saúde mental toma um lugar privilegiado na atual política de saúde no Brasil — ressaltou. Ela fez um apelo para que o tema da prevenção do suicídio esteja presente na pauta o ano inteiro, não só no mês de setembro, quando ocorre a campanha.
O psiquiatra da infância e adolescência André de Mattos Salles, do Hospital Universitário de Brasília (HUB-UnB), também apontou os transtornos mentais como um fator muito presente nos casos de suicício e na automutilação. Além disso, ele disse que é preciso observar o histórico familiar e ter atenção a fatores como o cyberbullying [bullying por meios virtuais]. Ele lembrou que é preciso ter cuidado ao trarar do tema suicídio na imprensa, para evitar o efeito Werther [efeito de contágio provocado pela divulgação de casos de suicídio]. Ele explicou ainda o ciclo que envolve esses comportamentos autolesivos.
— Geralmente o jovem tem uma dificuldade de lidar com algum tipo de sofrimento, muitas vezes as questões ligadas ao bullying e à violência, e aí o jovem acaba adotando esses comportamentos como uma forma de lidar com o sofrimento. Há uma sensação de um alívio momentâneo, e, depois que isso acaba, aumenta a tensão porque a pessoa não lidou com as questões que estão levando a esse sentimento.
A relação entre a automutilação e o alívio de angústia e depressão foi o motivo mais citado em uma pesquisa feita pelo Instituto de Pesquisa, Prevenção e Estudos em Suicídio (Ippes) com adolescentes na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro. A pesquisa trata de fatores associados às declarações de automutilação, ideação suicida e tentativas de suicídio presentes nas narrativas dos alunos.
Dados apresentados pela presidente do instituto, Dayse Miranda, também mostram entre esses fatores as perdas de pessoas queridas, bullying (inclusive “brincadeiras” relacionadas a preconceitos raciais e de identidade de gênero), depressão, ansiedade, violência doméstica e sexual, medo de apanhar e violência emocional.
O diretor de Políticas e Diretrizes da Educação Integral Básica do Ministério da Educação, Alexsandro do Nascimento Santos, falou sobre as estratégias para atender as crianças e adolescentes em sofrimento psíquico nas escolas. Segundo o diretor, há um esforço para a formação de professores para que eles possam identificar esses alunos, já que o sofrimento pode se manifestar em comportamentos de indisciplina, isolamento social e violência.
— A lei fala da notificação ao conselho tutelar, mas nós, do Ministério da Educação, temos produzido uma orientação ainda do acionamento da rede de proteção social. Às vezes a escola divide o muro com uma Unidade Básica de Saúde (UBS), então é o trabalho entre esses dois equipamentos públicos que vai ser integrado. É muito importante que a equipe gestora da escola esteja em diálogo com a equipe gestora da UBS, do Centro de Referência da Assistência Social (Cras) e que esse trabalho seja permanente de diálogo e cuidado coletivo dessas crianças.
Ele lembrou, ainda, que muitos professores também estão em situação de sofrimento psíquico e também precisam de cuidados.