Ela, no caso, é Dadá, emprega doméstica da família, que não aparece para fazer as comidas para um importante jantar para convidados da família de classe média. E o diálogo é o que inicia o curta "Dependências", que estreia na próxima terça-feira (10) no Festival de Cinema do Rio de Janeiro.
Escrito e dirigido por Luisa Arraes, o filme é seu primeiro autoral e uma sátira da classe média brasileira –da qual a atriz não nega fazer parte. Para ela, é como uma autocrítica.
"Nós, da classe média, temos o privilégio de não limparmos a nossa própria sujeira. É de uma pobreza, para quem não liga. É um absurdo, mas no Brasil é naturalizado e aqui no nosso país somos todos afetados pela desigualdade social', afirma ela, em entrevista por telefone ao F5.
Nascida no Rio, mas com raízes no Recife, Luisa vem de uma família de artistas e políticos –ela é filha do diretor Guel Arraes com a atriz Virginia Cavendish; seu avô paterno foi Miguel Arraes, três vezes governador de Pernambuco. "Uma coisa que eu percebo é que, no Recife, as pessoas têm uma consciência política muito maior que no Rio de Janeiro. Minha família, claro, também me influenciou muito a ter esse olhar."
Assim como muitas outras famílias brasileiras com certa condição, ela também cresceu com uma babá a seu lado. Segundo ela, o contato com a mulher que a acompanhou durante todos os anos segue firme. "É uma pessoa fundamental na minha vida. Ela está riquíssima e mora em frente à praia. Agora é madame", conta, aos risos.
A artista cita na conversa a PEC das Domésticas, que assegura direitos trabalhistas para profissionais do setor, aproximando-o de outras profissões e consolida direitos e garantias. "Uma pessoa que limpa a casa e deixa tudo pronto para, no fim do dia, quem trabalha fora chegar e encontrar tudo limpo, deveria ganhar do que um banqueiro. Quem cuida de uma criança deveria ser a pessoa mais valorizada do mundo", avalia.
Falando em crianças, é nelas que Luisa se inspirou para escrever a peça infantil "Suelen Nara Ian", que chega ao Teatro das Artes (zona oeste de São Paulo) no próximo sábado (7), sete anos após ser escrita. O nome é inspirado na melhor amiga de infância, que era filha do porteiro de um prédio na mesma rua que o seu.
Em 2017, a artista se formou no curso de letras da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, e escreveu o texto como uma forma de despedida da época de criança/adolescente para a vida adulta, quando estava saindo de casa ("essa é a primeira jornada no mundo adulto", diz).
Na história, ela explica alguns conceitos do mundo dos grandes para os pequenos. "Tem a dona de uma barraca na praia que quer vender tudo: areia, água do mar, os filhos. Então ela representa esse capitalismo selvagem. E tem um youtuber que representa as celebridades e a fama", explica.
Sobre esse último tema, agora, Luisa diz que está mudando de estratégia. Ela diz que cansou de trabalhar e trabalhar, mas, no fim, virar notícia só pelo relacionamento aberto com o também Caio Blat –o fato de morarem no mesmo edifício, mas em apartamento diferentes, porta com porta, atiça a curiosidade alheia.
"Nós estamos muito bem, está tudo certo", conta. "Mas cansa, como mulher, eu falar dos meus projetos e no fim só repercutir meu casamento. Se não, eu vou ter que me separar para pararem", brinca.