No centro da discussão estão os CACs (Colecionadores, Atiradores e Caçadores), que não podiam, por exemplo, comprar fuzis antes de Bolsonaro -uma portaria de 2019 liberou esse armamento para a categoria.
Nos últimos anos, o governo federal flexibilizou o acesso a armas e munições por meio de 19 decretos, 17 portarias, entre outras medidas. CACs têm se aproveitado dos decretos para circular armados independentemente de estarem a caminho de clubes de tiro, por exemplo. Na prática, é a liberação do porte de arma.
Gerente de projetos do Instituto Sou da Paz e especialista em segurança e controle de armas, Bruno Langeani afirma que deverá ocorrer a revogação de decretos sobre controle e comercialização de armamentos.
"Falo, especificamente, sobre porte de arma para CACs, que gerou crescimento grande de registros de gente que anda armada sem interesse em tiro esportivo e caça", diz. Segundo Langeani, há consenso entre especialistas que o porte deverá voltar a ser exclusividade apenas de policiais, militares, entre outras carreiras bastante específicas.
O representante do Sou da Paz também afirma que o intervalo para a apresentação de atestados de antecedentes criminais e de aptidão psicológica deve ser reduzido, após Bolsonaro elevar para dez anos -anteriormente, era de cinco anos.
Langeani cita o recente episódio com o ex-deputado federal Roberto Jefferson, que atacou policiais federais com tiros de fuzil e granada, como exemplo de falhas na fiscalização, associadas ao prazo excessivo para a apresentação dos atestados. "Não é caso isolado, porque já tivemos situações de pessoas com condenação criminal, do PCC, que conseguiram ter esse registro. Mostram quão frágil está esse sistema de controle", afirma.
O especialista do Sou da Paz diz que a liberação de fuzis para a população civil é um risco, citando novamente o caso do ex-deputado. "Os próprios policiais têm se manifestado com relação aos excessos. Tornou-se uma emboscada que quase tirou a vida de quatro policiais federais, porque Jefferson estava com arma mais potente que a deles", afirma.
Membro do conselho do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), Isabel Figueiredo afirma que, no fim do segundo turno, Lula deu um certo protagonismo ao controle de armas e isso gera uma expectativa de que seja mais competente nesse aspecto.
Para Isabel, hoje há o "interesse confuso", com mistura entre indústria e quem controla os armamentos, e a orientação de Bolsonaro para liberar mesmo. A especialista diz que o "Exército foi absolutamente irresponsável com a questão das armas". "Quando a gente fala do Exército, eles não têm capacidade institucional. Não têm e não querem ter", diz ela. "Eles disseram que não têm orçamento, mas não têm porque não alocaram nessa ação."
Uma das propostas apresentadas pelo FBSP é a criação de uma agência civil de controle de armas. "O presidente [Lula] vai tirar a arma das pessoas que compraram? Em princípio, ele não tem como. O que pode fazer? Apostar em toda a postura de controle", explica.
Segundo Isabel, reduzir para dois anos o intervalo para a apresentação de atestados de antecedentes criminais e de aptidão psicológica, com visitas presenciais para ver se as armas estão mesmo nos locais indicados são algumas das medidas positivas que poderiam ser adotadas.
Ao tratar sobre as armas que estão nas mãos dos CACs, a especialista lembra que a última contagem já apontava para um arsenal maior do que aquele pertencente às polícias brasileiras. "O que me assusta é o que os verdadeiros atiradores esportivos não estejam mobilizados [por mais controle]", diz.
Isabel também diz que é importante que Lula saiba que o cenário de 2023 é completamente diferente daquele que encontrou há 20 anos, quando assumiu a Presidência pela primeira vez.
Procurado nesta segunda-feira (31), o Simde (Sindicato Nacional das Indústrias de Materiais de Defesa), que representa os principais fabricantes de armas do Brasil, disse que não se manifestará no momento sobre a eleição de Lula e o que isso representa para o setor. A entidade deverá realizar uma reunião na segunda quinzena de novembro e, a partir daí, poderá divulgar um posicionamento.
A reportagem também procurou representantes do grupo armamentista Proarmas, liderado pelo deputado federal eleito Marcos Pollon (PL-MS), mas não obteve resposta até a publicação.
O Ministério da Defesa entrou em contato por telefone, na noite desta segunda-feira (31), para informar que os questionamentos deveriam ser encaminhados diretamente ao Exército, o que foi feito imediatamente. Até a publicação desta reportagem, não houve resposta.