A partir de 2024 o Brics, grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, e que representa atualmente quase um quarto do PIB e 42% da população mundial, além de ser 18% do comércio global, será ampliado, pois em uma decisão inédita, eles convidaram Argentina, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito, Etiópia e Irã a fazerem parte do grupo. A histórica decisão de ampliar o bloco foi anunciada em agosto de 2023, após o encontro dos membros fundadores na África do Sul. O aumento do grupo criado em 2009 e que tinha como característica o fato de ser constituído por países que estão entre os maiores do mundo em termos de população, economia e território preocupa os especialistas, que criticam a forma com que os novos integrantes foram selecionados, sem um critério definido, além do fato de alguns terem governos autoritários. Antes do anúncio de quem passaria a integrar o Brics, aproximadamente 40 nações, incluindo Bolívia, Cuba, Honduras, Venezuela, Argélia e Indonésia, demonstraram o interesse em fazer parte dessa união.
O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), chegou a declarar na época que "o interesse de vários países de aderir ao agrupamento é reconhecimento de sua relevância crescente". Manuel Furriela, especialista em relações internacionais da FMU, critica essa nova formação que o grupo vai ter a partir deste ano. “O Brics não se configura como uma organização internacional, é um grupo de afinidades que foi criado conceitualmente. Falta uma formatação de organização internacional, uma delas é definir critério para abrir as portas para novos países”, explica o especialista. “A escolha desses novos membros foi feita através de preferências dos participantes atuais. Você tem uma mistura de novos integrantes que não tem relação entre si e tem incluídos Estados que não são democráticos e países que apresentam problemas econômicos, como a Argentina”, destaca Furriela, para quem a única vantagem dessa ampliação é o fato do Brasil poder aumentar suas relações com outros Estados. O professor destaca o relacionamento como a Arábia Saudita como uma boa aposta para o governo brasileiro, por conta do petróleo. “O Brasil pode, a partir de uma relação mais próxima, trazer investimentos dos fundo soberanos da Arábia Saudita para projetos no país e conseguir mais oportunidades de exportação, já que é um mercado rico, num país que produz pouca variedade, até por conta de estar localizado no deserto.”
Flávia Ross, professora de relações internacionais da FESPSP e pesquisadora do Observatório de Regionalismo (ODR), diz que os aspectos negativos dessa expansão é a confusão que pode ser criada pelo fato de ter países diferentes, diversos e com objetivos que não são em comum. “Isso pode criar alguns problemas nos rumos dos Brics. Não sei como eles vão conseguir criar consenso dentro do bloco. Acredito que a China será a grande responsável por isso”, projeta a professora. Contudo, ela diz que essa ampliação faz com que o Brics se fortaleça, principalmente com o ingresso da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos, que têm forte influência no Oriente Médio e se destacam no quesito financeiro. “É um aporte para o grupo, porque o Brics tem o Banco de Desenvolvimento. Quanto mais países, mais aporte financeiro vai ter”, explica a professor, que também destaca o Irã, — apesar de ter um regime autoritário, também é uma nação influente no Oriente Médio. “Abraça um país como o Irã que sofre sanções e não deixá-lo tão isolado no cenário internacional… Pode ser positivo”, considera. Furriela vê com preocupação a entrada dos iranianos pelo fato de o país estar sob sanção da ONU (Organização das Nações Unidas). Há uma determinação que proíbe comércio internacional com o Irã por conta de um bloqueio do Conselho de Segurança. “Como é que você traz um membro para fazer parte se ele está sob sanções da ONU? Como é que ele vai ter grande interlocução?”, questiona.
Quando o anúncio da expansão dos Brics foi feito, algo que chamou atenção foi o fato de que o grupo passou a ter muitos países com nações autoritárias, o que, de certa forma, poderia ser um problema para o Brasil, que é uma democracia. Furriela afirma que essas escolhas fazem com o grupo perca uma premissa inicial de realmente ter valores e princípios. Para Ross, apesar da preocupação em relação à força brasileira, quando se olha para a política externa do país, um dos seus pilares é o pragmatismo. Então, faz sentido estar próximo dessas nações. “O Brasil sempre colocou sua política externa da seguinte forma no cenário internacional: fazemos negócios, cooperamos com qualquer país, independentemente de posições ideológicas e dos regimes desses países”, destaca a professora. “O Brasil faz negócio, tem relação com democracias e com ditaduras. Desde a democratização, nos colocamos a favor das democracias e dos direitos humanos, então, desse ponto de vista, está tudo certo”, enfatiza Ross, que também lembra que outros países democráticos, como os Estados Unidos e nações europeias, possuem relação com países autoritários e autocráticas.
Havia uma dúvida sobre qual Argentina entraria no Brics, pois o anúncio foi realizado antes das eleições presidenciais. Porém, após o resultado final, será um país governado por Javier Milei, que, durante sua campanha, disse que não aceitaria o convite. Os especialistas ouvidos pelo portal da Jovem Pan destacam que passar a integrar o grupo seria benéfico para os argentinos devido aos problemas internacionais para conseguir crédito — há mais de 20 anos o país enfrenta uma crise econômica, que piorou no último governo do peronista Alberto Fernández. “Para ela [Milei], que esta se isolando e tem problemas internacionais, seria uma vantagem, porque quando ela ingressa, pode conseguir bons acordos comerciais e novos empréstimos. Os países integrantes têm uma economia muito representativa, principalmente a China e a Índia”, pontua o professor Manuel Furriela.
Contudo, apesar de haver uma expectativa para que Milei aceitasse o convite para fazer parte do Brics, já, que após assumir o governo argentino, ele reduziu o tom em alguns posicionamentos — como não querer relação com Lula e Xi Jinping por considerá-los comunistas —, no final de dezembro o ultraliberal colocou um fim as dúvidas, ao anunciar que não irá aceitar fazer parte. No dia 29 de dezembro, ele enviou uma carta a Lula na qual informou que rejeita o convite e que não considera que o ingresso no bloco seria oportuno para o seu país. "Algumas decisões tomadas pela gestão anterior serão revisadas. Entre elas, encontra-se a criação de uma unidade especializada para a participação ativa do país no Brics", afirma Milei. Ele ainda afirmou que sua visão para a política externa da Argentina difere muito daquela praticada por seu antecessor. Contudo, reforçou a vontade de manter relações comerciais próximas com o Brasil. Em caso de aceite, a participação teria início em 1º de janeiro de 2024.