Com a aproximação das “midterms”, eleições de meio de mandato dos Estados Unidos, o presidente do país, Joe Biden, tem lutado para conseguir manter os democratas como maioria na Câmara dos Representantes (deputados) e no Senado, enquanto os republicanos se apoiam na alta da inflação, crise migratória e aumento da criminalidade para conseguir voltar a ser maioria e assumirem o poder. As pesquisas apontam que a oposição tem boas chances de desbancar os democratas e levar a melhor, o que, consequentemente, dará força para o partido nas próximas eleições presidenciais, marcadas para 2024. O resultado do dia 8 de novembro poderá ser decisivo. Biden implora aos americanos “maiorias folgadas” para conseguir evitar as regras legislativas que, hoje, impedem-o de legalizar o aborto em todo país ou proibir rifles de assalto. Os republicanos, por sua vez, prometem liderar uma luta contra a inflação — uma das mais altas que o país já enfrentou. Ela está em 8.2% para os últimos 12 meses (até setembro). Além disso, vislumbram combater a crise dos opiáceos, continuar sua ofensiva contra os atletas transgêneros e enterrar o trabalho da comissão que investiga o ataque ao Congresso americano lançado por partidários do ex-presidente republicano Donald Trump. Nessas eleições, o que pesa são as principais preocupações dos eleitores dos EUA: inflação, aborto, criminalidade, imigração, guerra cultural, defesa da democracia e mudança climática.
Embora o nome de Joe Biden não esteja nas cédulas, muitos americanos veem esta eleição como um referendo sobre o presidente. A disputa atual também é um teste sobre o futuro político de Trump, muito ativo na campanha, com inúmeros comícios sendo realizados por todo país. Para esses dois políticos, potenciais candidatos à corrida presidencial de 2024, o resultado eleitoral pode ser decisivo, impulsionando ou freando, suas aspirações. Thaís Dória, doutorando em relações internacionais pela Universidade de São Paulo (USP), explica que perder assentos no Congresso é algo normal e que todos os presidentes, com exceção de Bill Clinton e George Bush, passaram por isso. Porém, faz uma advertência: “Embora comum, perder maioria no Senado e na Câmara tem implicações severas, como dificultar a capacidade de legislar”. Ela lembra que há o aumento de “gridlock”, a relação entre leis propostas e leis aprovadas e/ou votadas. O segundo problema que Biden pode enfrentar ao perder maioria é o fato de que o Senado tem autoridade investigativa. Se os republicanos vencerem, fica mais fácil aplicar uma proposta que já foi lançada: a de eliminar as investigações conta a invasão do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, e abrir processos contra os democratas, incluindo o presidente.
O cientista político, Leandro Consentino pontua que, desde que Biden foi eleito, em 2020, houve “um problema sério do ponto de vista econômico, sobretudo das consequências da pandemia e a guerra na Ucrânia”, o que aumenta as chances do líder norte-americano perder controle da Câmara — o que o especialista diz ser um cenário bastante provável — e do Senado — que, segundo Consentino, ainda é incerto. Além das questões já pontuadas, Doria fala que essas eleições têm outra particularidade. “Caso sejam eleitos candidatos republicanos dos estados em que os governadores também são republicanos, estes estarão em uma posição forte de redesenhar as áreas distritais a seu favor — fenômeno conhecido como gerrymandering”. A pouco dias das eleições, a desinformação tem tirado o sono dos partidos e pode ser decisiva. Tendências recentes sugerem que a suposta fraude eleitoral será um dos grandes problemas. Apesar de serem repetidamente rebatidas desde a eleição presidencial de 2020, alegações de jogo sujo permearam a mente dos eleitores.
Cerca de 40% dos republicanos e 25% dos democratas vão culpar a fraude, se seu partido não ganhar o controle do Congresso em 8 de novembro, de acordo com uma pesquisa recente da Axios-Ipsos. Tal cenário, com redes sociais usadas como armas políticas e também, potencialmente, por atores estrangeiros, representa um risco contínuo para a democracia nos Estados Unidos. O negacionismo eleitoral se espalhou no país. Os republicanos de vários matizes aderem à afirmação falsa defendida e propagandeada pelo ex-presidente Donald Trump (2017-2021) de que a eleição de 2020 foi-lhe roubada e que a fraude eleitoral está amplamente disseminada. O “think tank” Brookings Institution, com sede em Washington, D.C., identificou 249 desses chamados “negacionistas eleitorais”, todos republicanos, nas 567 corridas eleitorais para candidatos à Câmara de Representantes (Deputados), Senado e importantes cargos no nível estadual.
O presidente da Bayer Strategic Consulting e ex-chefe de pessoal do Senado americano, Mark Bayer, disse à AFP que a democracia no país corre o “maior risco de desmoronar” desde a Segunda Guerra Mundial. “A fidelidade à ‘Grande Mentira’ foi o maior tema de campanha para muitos dos negacionistas que disputam as eleições. Como esses candidatos poderiam responder, ao perder suas próprias eleições de forma justa em novembro?”, questiona Bayer. Os especialistas concordam com esse posicionamento. Contudo, Consentino diz que falar em risco democrático é uma palavra muito forte. “Eu acho que existe um problema a ser equacionado. A democracia sempre conviveu mal ou bem com o extremismo, mas agora é um momento de alerta”, diz, acrescentando que não vê um risco de ruptura institucional. “Mas acredito que é um momento delicado e alerta para o regime democrático, sobretudo que ele precisa estar mais conectado com parcelas amplas da população.”
Para Doria, a democracia está em risco por muitas razões. “Primeiro, pela incapacidade dos partidos estadunidenses de governarem juntos, gerando esta política de pêndulo, em que um partido governa por um período, depois isto se inverte”, destaca. “Apesar da troca de poder ser desejável e absolutamente democrática, o que ocorre é uma revogação das políticas anteriores e uma maior polarização, com aumento expressivo do ódio e da violência, entre a população e também entre os representantes.” Segundo ela, o ataque recente a Paul Pelosi, marido da presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, é um exemplo trágico do grau de violência e intolerância presente nos EUA. Consentino diz que, se os regimes não souberem lidar com isso daqui para diante, “a gente corre o risco das pessoas não entenderem qual o benefício de viver em uma sociedade livre e democrática, e aí eu acho que esse é o risco grande que a gente pode correr”.
Midterms, também conhecida como eleição de meio de mandato, são realizadas dois anos após as presidenciais e funcionam como uma espécie de referendo sobre a política do inquilino da Casa Branca. Nelas, os eleitores escolherão os congressistas que conquistarão 435 cadeiras da Câmara dos Representantes. No Senado, são 100 membros. Nessas eleições, também são eleitos os governadores de 36 dos 50 estados do país e os prefeitos, sobre os quais recaem as políticas de seu estado em temas importantes como aborto ou regulamentação ambiental. Neste ano, elas vão ser realizadas em 8 de novembro (ou seja, na próxima terça-feira). Os eleitos iniciarão seu mandato em 3 de janeiro de 2023. De acordo com as pesquisas mais recentes, a oposição republicana tem boas chances de arrebatar pelo menos de 10 a 20 cadeiras na Câmara. Este número seria suficiente para ter maioria. As pesquisas são menos claras em relação ao Senado, onde os democratas esperam conservar sua maioria.