Uma pesquisa realizada pela S&P Global Commodities Insights indicou que em 2023 as terras agrícolas no Brasil registraram uma valorização de 3,2%. Apesar da alta, a empresa revela que houve uma redução dos negócios de compra de vendas de áreas do agro, que foram influenciadas pela queda do preço das commodities e pelos impactos na rentabilidade do produtor rural. Para as tendências a partir de 2024, conversei com Anderson Galvão, diretor da Céleres. Confira:
Uma reportagem do Financial Times chamou a atenção para o grande aporte de recursos dos investidores em terras agrícolas nos Estados Unidos diante de uma crença de que esse é um ativo que vai se valorizar muito mais nos próximos anos. Esse é um movimento exclusivo dos Estados Unidos ou é uma tendência que você tem observado acontecer em outras áreas do mundo? Esse é um movimento que eu diria que ele não é restrito aos Estados Unidos. A gente viu acontecer no Brasil também, isso aconteceu Uruguai, Austrália, até mesmo na Europa, que são hoje em dia mercados de preços de terra bastante maduros. Ou seja, é um movimento quase que global.
Há uma tendência de isso continuar a acontecer? A gente tem situações distintas. O mercado americano, o mercado australiano, eles são mercados muito mais institucionalizados, com a participação de fundos de pensão, fundos imobiliários, o que é ainda restrito, ou ainda relativamente pequeno no Brasil. Então, a gente tem comportamentos distintos. O que eu posso dizer, pelo que a gente estuda aqui na casa, é que esse movimento de alta, de sustentação dos preços, às vezes eles são comuns a esses diferentes mercados, por mais que cada um deles tenha a sua característica.
A reportagem cita o aumento da demanda de alimentos no mundo e a escassez de recursos naturais. Há outros elementos além desses que você colocaria nessa conta que leva a essa tendência que eles estão apontando? Como contramedida aos efeitos da Covid-19 lá em 2020 e 2021, os bancos centrais mundo afora imprimiram dinheiro. A gente viveu um período de juro nos diferentes mercados internacionais, com juros muito baixo e juro baixo é um convite a valorização de ativos, ações, real state urbano e real state imobiliário. Então esse é um outro elemento.
Dentro de uma perspectiva aqui no Brasil de juros mais baixos ou até uma expectativa de que em algum momento não tão longe os Estados Unidos comecem a reduzir juros, esse movimento que você acabou de falar se aplica a um futuro próximo? Quando eu trago essa realidade para o contexto brasileiro, a gente tem o seguinte movimento. Primeiro lá em 19/20, lembra-se que a gente estava com Selic a 3%, um pouco menos do que isso até, então a gente teve um movimento de juro baixo que além do próprio dinheiro do agro, do produtor rural que passou a comprar mais terras, de demanda e tudo mais, a gente teve também o investidor do asfalto, o investidor era Faria Lima indo atrás do do ativo imobiliário rural, tal como a matéria do Financial Times cita para a realidade norte-americana.
Depois, até pelo surto inflacionário, inflação dos alimentos que é até consequência desse boom de liquidez global, o Brasil e outros países da América Latina foram mais cedo no movimento de alta de juros, tanto que o problema de inflação na região resolveu antes desses países, e isso obviamente lá em 2022 e 2023 afasta um pouco o investidor financeiro do mercado de terras, no caso do Brasil. E, agora, com uma Selic já com o viés de voltar para um patamar de um dígito mesmo que alto, a terra agrícola já volta a ser interessante novamente no mercado brasileiro.
Os preços das terras agrícolas no Brasil vão se valorizar em 2024? Você já deu uma pista ligada a juros. Que outros fatores estão no seu radar. Esses preços vão subir? De um lado, como sustentação de demanda, ou seja, apetite do investidor atrás da terra agrícola, um viés de uma Selic mais baixa. Por outro lado, não é segredo para ninguém todo mundo está acompanhando aí, que o preço da soja, do milho, do café, do boi, todos esses produtos agropecuários tiveram uma queda de preços expressivos no 2024 em relação a 2023, o que por sua vez compromete a geração de caixa desse agricultor, desse pecuarista.
Com isso, qual é o nosso entendimento no 2024 e também até lá no 2025? A leitura nossa é que o preço da terra no Brasil ele muda, mudou de patamar, como já aconteceu em outras ocasiões do passado. E agora ele tende a ter uma acomodação, ficar relativamente estável pelos próximos, sei lá, dois ou três anos até o momento que a gente tenha de novo um evento de liquidez, uma disparada de preço de commodities, uma mudança muito brusca nas condições de liquidez. Então a nossa leitura é de estabilidade para preço da terra, o que não necessariamente significa estabilidade para o valor do arrendamento.
Por que não necessariamente para o valor do arrendamento? Voltando ao tema da terra, o agricultor ou dono de terra quando ele vê, por exemplo, um momento de menor liquidez, como é o caso agora, ele simplesmente tira a terra do negócio ou do mercado e o preço estabiliza. Ou seja, uma equação de oferta e demanda. No caso do arrendamento, aquele agricultor que arrendou terras, inclusive a valores que a gente entende bastante caros, bastante fora do padrão normal de rentabilidade lá no 2022 e no 2023, a conta não fecha no 2024. Qual é a opção para esse agricultor que arrendou essa terra cara? Ou ele vai renegociar um novo valor com dono da terra ou ele simplesmente vai devolver a terra porque a conta não fecha. Arrendamentos de 18 a 20 sacas de soja, dependendo da região do Cerrado que a gente passou a observar, é uma conta que não fecha na realidade de produtividade e preço agora da safra 23/24. Consequentemente, nossa leitura é que no 24/25, o preço do arrendamento cai e preço da terra fica relativamente estável.
Em 2024, teremos um mercado um pouco mais parado em relação ao volume de negócios? E no mercado de arrendamentos, o que vai acontecer? Entendo que, de novo, dada a condição de rentabilidade do agricultor brasileiro nesse 232/4 e ao que tudo indica no 24/25, o mercado de compra e venda de propriedades rurais tende a ser morno. Um detalhe que também merece atenção é que teremos, sim, agricultores com situação econômica financeira estressada, com comprometimento de liquidez, capacidade de pagamento de dívida e isso certamente vai levar alguma oportunidade de liquidez forçada. Ou seja, o agricultor ser obrigado a vender aquela área que ele tem, uma alienação fiduciária, alguma garantia atrelada a algum compromisso da operação dele.
Tem uma premissa que diz que investir em terra é uma das coisas que nunca falha, que o ativo ao longo do tempo sempre se mostrou um ativo de ótima qualidade, que vai acumulando valor em relação a outros investimentos. Essa premissa é uma premissa válida, mais do que nunca, nesse nosso contexto geopolítico e político em que há bastante desafios? É o melhor ativo a se investir no momento? Como dizem lá em Bom Jesus de Goiás, minha terra, que é: "terra, quem compra não erra". Sim, o retorno em terra, até por isso que o investidor institucional lá nos Estados Unidos, o investidor aqui no Brasil, seja ele um produtor rural ou investidor urbano, ele procura terra. Terra, primeiro, não se fabrica mais terra. Segundo, historicamente, terra como um ativo real, protege contra a inflação e no caso específico do Brasil, vis à vis aos Estados Unidos ou à Europa, a terra brasileira, apesar de ter valorizado, ela ainda é barata comparado com a americana, com a canadense, com a australiana, com a francesa e assim por diante.
Ou seja, ainda há espaço para a valorização no médio e longo prazo. Nesse curtíssimo prazo, ou seja, no 2024 e 2025, essa valorização não deve acontecer, mas num horizonte de médio e longo prazo, sim. E para completar, o outro detalhe é que no Brasil, o grande salto imobiliário é quando eu compro uma terra de pasto degradado ou de Cerrado virgem e faço uma incorporação imobiliária, transformando essa terra em terra agrícola produtiva. Aí que eu tenho verdadeiramente uma apreciação de capital e esse é um grande movimento que está por trás do, não só do agricultor, mas também do investidor urbano que vai atrás desse ativo.