Nascido no estado vizinho, Mato Grosso, o poeta escolheu Mato Grosso do Sul para viver, construir sua família e também contar em seus versos o que é o Pantanal de MS. Stella e Manoel de Barros.
José Câmara
Conhecido e reconhecido pelo dom de inventar palavras e enlouquecer os verbos, o poeta Manoel de Barros é orgulho e alegria para os sul-mato-grossenses. Nascido no estado vizinho, Mato Grosso (MT), o poeta escolheu Mato Grosso do Sul para viver, construir sua família e também contar em seus versos o que é o Pantanal.
"Sem dúvida nenhuma o reconhecimento da literatura sul-mato-grossense começa pelo Manoel de Barros. Então quando a gente fala em literatura brasileira em Mato Grosso do Sul, pensa-se em Manoel de Barros em primeira instância. Ele renovou a linguagem, ou inovou a linguagem da literatura, da poesia brasileira. O Manoel de Barros tem uma dicção poética que não existe outra igual", afirmou a doutora em literatura, Maria Adelia Menegazzo, em entrevista à TV Morena.
No mapa feito pelo g1, nessa terça-feira (28), quatro professores de literatura escolheram os "melhores" livros de cada estado brasileiro, de acordo com a cidade de nascimento dos autores. O escritor Manoel de Barros e a sua obra "Livro sobre nada (1996)", foi escolhida como a melhor de Mato Grosso. Entretanto, apesar de ter nascido no estado vizinho, é considerado patrimônio para a população sul-mato-grossense.
O reconhecimento do escritor foi além das palavras e se tornou titular da cadeira número 1 da Academia Sul Mato Grossense de Letras (ASL), inaugurada em dezembro de 2011.
"Manoel é um poeta diferenciado que fez com que o Brasil inteiro conhecesse, em verso, o que é o Pantanal", afirmou Reginaldo Alves de Araújo, ex-presidente da ASL
Em homenagem ao poeta que marca a vida dos sul-mato-grossenses, o g1 separou algumas curiosidades. Confira:
Conheça Manoel de Barros
Sempre muito tímido com as câmeras, em 2012 o poeta aceitou receber uma equipe da TV Morena em sua casa, com um condição, não poderia haver câmeras. Entretanto, o poeta aceitou responder apenas uma pergunta por escrito: "Quem é Manoel de Barros, para Manoel de Barros?"
Em suas palavras, ele respondeu singelamente. "Sou um cara que ama brincar com palavras". Veja abaixo a resposta completa:
"Sou um cara que ama brincar com palavras. Eu me criei no mato moda ave. O lugar me criei tinha só árvore, água e passarinhos. O lugar me inventou para fazer brinquedos. Comecei fazendo bola de laranjas e carros de latas de goiabada vazias. Depois me desenvolvi: comecei a fazer brinquedos com as palavras. Mas por não conhecer o nome das palavras, eu batizava elas a meu gosto. Sou hoje um cidadão, inventor da língua de brincar. E me comunico em livros na língua de brincar, não há nisso metafísica", responde Manoel.
Alegria da família e também dos admiradores sul-mato-grossenses
"Meu avô é de sorriso fácil, como diz no Pantanal, mostra o dente com qualquer coisinha. Só alegria, meu avô é uma pessoa que criou a gente sempre alegre", é assim que o neto, Manoel Venceslau de Barros, descreveu o avô para a equipe de reportagem da TV Morena.
Não muito diferente do sentimento da família, para os moradores de Mato Grosso do Sul, é uma honra e um orgulho que o poeta tenha adotado o estado como casa. Em Campo Grande, a admiração pelo escritor está registrada no Museu Casa-Quintal Manoel de Barros e também na estátua do artista, eternizada na avenida Afonso Pena, uma das principais vias da capital.
Casa de Manoel de Barros é aberta ao público; veja detalhes do local
"Manoel conseguiu a proeza que só os gênios conseguem: se tornar um clássico em vida. Manoel quase chegou em um grau em que ninguém o criticava. Quase chegou a unanimidade. Falo 'quase', porque é importante ser 'quase'. Toda unanimidade é burra. Manoel conseguiu esse patamar dos clássicos. Não é um trabalho regionalista, onde os temas são o principal, mas sim as palavras", detalha o jornalista, e um dos idealizadores do museu, Ricardo Câmara.
Para sempre na memória
Mesmo tendo pouca intimidade com as câmeras e sendo reservado em sua vida pessoal, existe uma única foto de Manoel de Barros que transmite inteiramente a originalidade que era esse poeta. Feita em 2007, na casa do artista, o retrato foi tirado pelo campo-grandense Roberto Higa.
Roberto Higa fotografou Manoel de Barros sem camisa em 2007
Gabriela Pavão/ G1 MS
O registro espontâneo aconteceu após uma conversa dos dois. Higa disse ao g1 que não sabe ao certo de onde surgiu a inspiração para a pose, mas que citou as imagens clássicas de Albert Einstein e do Salvador Dalí, como exemplo para a foto.
"Cheguei pro (sic) poeta e falei que era meu primeiro grande serviço depois dos problemas de saúde, contei a história do AVC e disse pra ele: poeta, preciso de uma foto sua que marque a minha vida e a sua. Até citei a foto do [Albert] Einstein com a língua de fora, do Salvador Dalí enrolando o bigode, do Picasso comendo a espinha de peixe e ele falou que tudo bem", relembrou
No intervalo para a troca de roupa, a pose aconteceu. "Ele tirou a camisa e entregou para Stella, a esposa dele, depois virou para mim, fez a pose e disse: 'assim serve?' Deu tempo de fazer duas fotografias", contou.
Da vida a morte
Manoel de Barros morreu aos 97 anos em 2014, em Campo Grande. Advogado, fazendeiro e poeta, o artista nasceu em Cuiabá, no Beco da Marinha, às margens do rio Cuiabá, em 19 de dezembro de 1916. Porém, com dois meses foi com a família para Corumbá (MS), ainda quando era estado uno, ou seja, Mato Grosso do Sul ainda era Mato Grosso.
Com mais de 25 livros lançados, o primeiro, "Poemas concebidos sem pecado", foi lançado em 1937. Já o último, "Escritos em verbal de ave", saiu em 2011, mesmo ano em que recebeu a cadeira número 1 da Academia Sul-Mato-Grossense (ASL) de Letras.
"Manoel é um poeta diferenciado que fez com que o Brasil inteiro conhecesse, em verso, o que é o Pantanal", afirmou Reginaldo Alves de Araújo, ex-presidente da ASL
Em 1966, Manoel de Barros ganhou o prêmio nacional de poesias com "Gramática Expositiva do Chão". Em 1998, levou o Prêmio Nacional de Literatura do Ministério da Cultura, pelo conjunto da obra.
Registrado na memória do mundo, o poeta teve suas obras traduzidas em Portugal, Espanha, França e Estados Unidos. E para a família do poeta, o sentimento que perpetua é que Manoel de Barros deixou uma linda obra para o mundo.
"Do lugar onde estou, já fui embora". Um dos versos favoritos do poeta, citado pela filha no dia de sua morte.
Veja vídeos de Mato Grosso do Sul: