A PF (Polícia Federal) indicou 14 processos com suspeitas de corrupção e irregularidades no STJ (Superior Tribunal de Justiça). Tudo consta em inquérito que investiga venda de sentenças e um deles trata de ação de R$ 600 milhões envolvendo a J&F, gigante que controla empresas como a JBS e a Eldorado.
Trata-se de uma extensa investigação que respingou em desembargadores de Mato Grosso do Sul. Na deflagração da Operação Ultima Ratio, cinco magistrados foram afastados dos cargos - o presidente do TJMS, Sérgio Fernandes Martins, retornou ao cargo por ordem do STF. O empresário e lobista Andreson de Oliveira Gonçalves foi preso e buscas foram realizadas em gabinetes de três ministros do STJ.
Conforme informações do Portal UOL, o delegado da PF, Marco Bomtempo, listou processos suspeitos ao determinar a operação da PF. No entanto, a PF não faz acusações contra as empresas envolvidas nas ações ou outros advogados que atuaram nelas.
O processo de MS citado pelo delegado é um agravo interno de conflito de competência que envolve a J&F e a MCL Fundo de Investimento em Participações. O processo tramitou no gabinete da ministra Nancy Andrighi.
De acordo com o delegado, há suspeita de crime de violação de sigilo funcional no processo. Isso significa que a Polícia Federal apura se houve vazamento de documentos sigilosos envolvendo o caso.
Um dos advogados que atuou no processo é Rodrigo Pimentel, investigado na Operação Ultima Ratio e filho do desembargador afastado do TJMS, Sideni Soncini Pimentel. A ação, que iniciou no Tribunal de MS e foi parar no STJ, envolve nulidade de acordo de acionistas.
Para contextualizar, vale ressaltar que a J&F detém a Eldorado Celulose, com unidade em MS. Já a MCL é um fundo de investimentos focado em ativos de reflorestamento para venda de eucalipto à produtores de celulose em MS, ou seja, investe em empresas detentoras de terras, florestas e viveiros no Estado.
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Disputa de R$ 600 milhões
O caso trata de disputa de R$ 600 milhões, em que a MCL tentava anular aquisições da Eldorado que diluíram sua participação acionária na empresa.
No entanto, a J&F argumentava que a ação deveria ser analisada pelo Tribunal de São Paulo. A tese da gigante da celulose acabou vencedora após a ministra Nancy Andrighi dar decisão mandando o caso ser julgado no estado vizinho.
O que chamou atenção da PF foi conversa entre Andreson e Zampieri em que o lobista antecipou o voto da ministra cinco dias antes do processo ir a julgamento. Ele enviou documentação ao advogado em 13 de agosto de 2020, sendo que o julgamento foi no dia 18 daquele mês.
Ainda, conforme conversas apuradas pela PF, Andreson afirmou a Zampieri ter recebido R$ 19 milhões, sem explicar de qual das partes.
Em nota oficial sobre o caso, a J&F classificou o caso como "simples". "O conflito de competência foi suscitado pelo próprio TJ-MS, e não pela J&F. A Segunda Seção do STJ referendou a decisão citada de forma unânime, por 9 votos a zero, definindo a competência para julgamento da ação em São Paulo. Tratava-se de um caso simples: o contrato em disputa, o acordo de acionistas e a sede da empresa indicavam que o foro competente para o julgamento era a Justiça paulista. Posteriormente, a J&F venceu o processo em todas as instâncias. A J&F foi representada pelos advogados devidamente constituídos e nunca autorizou qualquer terceiro não constante dos autos a representá-la", afirmou em nota.
Já a ministra do STJ disse que já prestou os esclarecimentos e que os processos de responsabilização dos servidores envolvidos estão em andamento. "O Gabinete da Ministra Nancy Andrighi registra que já prestou informações à imprensa, no ano de 2024, sobre os processos apontados na reportagem e que os processos de responsabilização encontram-se em andamento, a fim de que os fatos sejam devidamente esclarecidos e os responsáveis punidos de forma exemplar".
A reportagem procurou a MCl para comentar o caso, mas não obteve retorno até esta publicação. A reportagem também tentou contato com o advogado Rodrigo Pimentel, mas sem sucesso. O espaço segue aberto para manifestações.
Conversas de lobista com advogado assassinado motivaram investigação
A PF indica que pode haver irregularidades em mais processos. As ações citadas foram levantadas por "amostragem" das conversas de WhatsApp mantidas pelo lobista Andreson com seu ex-parceiro de "negócios", o advogado Roberto Zampieri, assassinado em frente ao próprio escritório, em Cuiabá. A partir do celular de Zampieri é que se deu início a toda a investigação.
Apesar das operações, nenhum ministro do STJ é investigado, apesar de a hipótese não ser descartada pela PF. O caso é conduzido pelo STF, com relatoria do ministro Cristiano Zanin.
No geral, os processos citados pelo delegado envolvem ações de multinacionais e bancos. Há processo, por exemplo, da Du Pont do Brasil, gigante do setor químico e outros envolvendo bancos Bradesco, Santander e Nossa Caixa - que foi incorporada ao Banco do Brasil em 2009).
Operação Ultima Ratio
Em 24 de outubro, o judiciário de MS foi surpreendido com a deflagração da Operação Ultima Ratio, pela PF (Polícia Federal). Neste dia, cumpriram 44 mandados de busca e apreensão após ordens do ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça), Francisco Falcão. A investigação apura suposta venda de sentenças.
No mesmo dia, o STJ afastou cinco desembargadores e um conselheiro do TCE (Tribunal de Contas do Estado). Assim, foi determinado o uso de tornozeleira eletrônica para todos, instalada 12 dias após a operação.
Foram afastados dos cargos: o presidente do TJ, Sérgio Fernandes Martins, os desembargadores Vladmir Abreu, Sideni Pimentel (eleito para comandar o TJ a partir de 2025), Alexandre Aguiar Bastos e Marcos José de Brito Rodrigues. Além deles, o ministro também determinou afastamento do conselheiro Osmar Jeronymo.
Quase um mês depois, em 26 de novembro, o lobista Andreson de Oliveira Gonçalves foi preso durante desdobramento da Ultima Ratio. A operação da PF foi baseada em decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Cristiano Zanin.