(FOLHAPRESS) - Casal de moradores do bairro Vila Nova Conceição, na zona oeste de São Paulo, voltava a pé de um jantar a quatro quadras de distância de casa quando foi interpelado por dois assaltantes em uma motocicleta, exigindo seus celulares. As vítimas lembram que era uma noite quente de agosto passado, e ainda havia bastante movimento na rua, quando foram alvos de quatro tiros em uma ação que durou 32 segundos.
O marido foi atingido no peito, e a mulher, na perna. Os disparos só não foram fatais porque os dois conseguiram correr para uma praça e se esconder entre arbustos. A bala ficou a 0,6 centímetros do coração dele. Os bandidos foram embora sem levar nada.
O casal, que pediu para não ser identificado, relembrou o trauma a caminho do aeroporto, na última quinta-feira (20). Estão de mudança para a Europa, plano que já estava no radar da família, mas foi acelerado diante do medo rotineiro que se traduziu em saídas esporádicas de casa e instalação de sensor de movimento nas portas e janelas. Eles também contam que se desfizeram do carro por "chamar atenção" de bandidos.
Restrições na rotina e mudanças drásticas de vida são relatos comuns de vítimas de assaltos violentos, em que há agressão e disparos de arma de fogo. Em caso recente em São Paulo, o ciclista Vitor Medrado não sobreviveu aos tiros à queima-roupa em frente ao Parque do Povo. Na semana passada, uma médica levou chutes e mordidas de um ladrão que levou sua aliança enquanto ela caminhava pelo bairro onde mora.
Dados oficiais do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) mostram que houve aumento de roubos ao longo de 2024 em 16 distritos, a maioria na zona oeste da cidade. A redução no geral foi de 13,6%, com 115.172 roubos na capital no passado, contra 133.324 contados em 2023.
Frequentadora da ciclovia do Rio Pinheiros, a gestora de negócios Tatiane Queiroz, 41, não conseguiu retomar a rotina de treinos desde que foi assaltada enquanto pedalava, há pouco mais de três meses.
Ela conta que o ladrão, que vinha a pé na direção contrária, pulou em cima dela e a derrubou da bicicleta, enquanto gritava "perdeu, perdeu". O tombo a deixou com hematomas no corpo e receio de ser atacada novamente. A bicicleta nova, presente do marido após o roubo, continua parada no bicicletário do prédio. "Não consegui voltar, nunca mais pedalei", diz. "Perdi a atividade física que eu mais gostava."
Nos casos do casal baleado e da ciclista, os bandidos foram presos. Mesmo assim, a sensação de insegurança permanece. "Quando eu vejo alguém na rua com as mesmas características dele, eu fico gelada na hora, me dá um aperto no peito", diz Tatiane.
Evitar situações e locais que remetam ao episódio de violência é uma forma recorrente e quase instintiva de se proteger, mas também representa um indício do desamparo a que a maioria das vítimas de violência é submetida, segundo a promotora Celeste Leite dos Santos, presidente do Instituto Pró-Vítima. "Essa pessoa passa a ter um problema de confiança na sociedade, em si mesma e no próximo", diz. "Estamos criando a sociedade do risco, do medo e da insegurança, quando se passa a não acreditar que o estado tem capacidade de nos prover."
Autora do Estatuto da Vítima, em tramitação no Congresso, a promotora avalia que a falta de assistência institucional faz com que essas pessoas sejam vistas pelas autoridades como meras provas processuais em uma investigação criminal. Isso quando a atitude de quem sofreu a violência não se torna alvo de questionamentos em juízo.
"Existe um movimento de analisar se a vítima é inocente, ou provocadora, ou ainda alguém que não se protegeu devidamente", diz a promotora. "Admitindo que vivemos em uma sociedade de risco, o estado deixa de ter a obrigação de fornecer essa segurança se a vítima se expôs ao risco desnecessariamente."
Assim como o casal da Vila Nova Conceição e a frequentadora da ciclovia, o autônomo Franklin Bruno Sousa, 28, lembra que demorou mais de um mês para sair de casa sem medo após ser espancado por quatro bandidos que levaram seu celular no largo do Arouche, no centro da capital, no ano passado.
Ele conta que voltava de um bar e parou em uma barraca de lanches a poucos metros de casa quando foi atacado. "Tentei correr, mas não deu certo. Me bateram muito no rosto e na cabeça, a cada soco eu apagava. Fiquei todo desfigurado", diz. "Eu moro no centro há 20 anos, esse era o caminho para a minha escola e até hoje sinto medo quando passo por lá."
O autônomo diz que não procurou ajuda profissional, apenas registrou um boletim de ocorrência e não teve mais resposta da polícia, assim como ocorre com a maioria das vítimas, segundo a psicóloga Maria Luiza Bullentini Facury. "O atendimento rápido é importante, senão pode entrar num estado de depressão e desenvolver transtorno de ansiedade generalizada em que qualquer pessoa que se aproxime pode ser vista como agressor, além de criar fobias, o que repercute na qualidade de vida."
Além de encarar a rotina apesar do trauma, a falta de assistência faz com que a vítima tenha medo de reconhecer o acusado ou comparecer às audiências e, consequentemente, o réu é absolvido. Isso explica a alta impunidade de roubos cometidos com violência.
"Existe a interpretação jurisprudencial de que o trabalho da polícia, isoladamente, não é prova. Tem que repetir tudo em juízo, ou seja, isso é uma revitimização, uma violência estatal", diz a promotora Celeste ao citar trecho do estatuto que altera essa dinâmica.
Por enquanto, um dos únicos serviços públicos que oferece ajuda nesses casos é o Cravi (Centro de Referência de Apoio à Vítima), que reúne equipe de psicólogos e assistentes sociais especializados em violência, com sede na Barra Funda.
Procurada, a secretaria da Segurança Pública do estado informou que, em 2024, prendeu 72.561 infratores e que 5.911 armas foram retiradas de circulação na capital e região metropolitana. O autor do ataque à médica foi preso e a polícia segue na busca pelo comparsa, segundo a pasta.
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