Em 1946 quando fazia um discurso em uma universidade no Missouri, o mais célebre primeiro-ministro britânico, Winston Churchill, chamou a relação entre o seu país e os Estados Unidos da América de Special Relationship, a Relação Especial. Tal termo se referia à forte e fraterna relação militar, diplomática, cultural e histórica dividida pelos dois países ao longo de quase dois séculos, principalmente após a Segunda Guerra Mundial.
De fato, a insistência de Sir Winston Churchill foi fundamental para convencer Franklin D. Roosevelt, então presidente norte-americano, a apoiar militarmente os aliados na Europa em momentos cruciais da Guerra. Hoje, os sinais estão invertidos, ao invés de um democrata na Casa Branca temos um republicano, e ao invés de um conservador em Downing Street 10, temos um trabalhista. Essa inversão partidária já aconteceu antes, mas nunca a relação tão bem cultivada, atravessou dias tão incertos.
A postura adotada pelo presidente estado-unidense, deixou bastante claro para todo o mundo que a Europa, em seu local de destaque ocupado nos últimos 80 anos, não é mais prioridade para a nova administração. A visita de Keir Starmer a Donald Trump, acontece em um momento extremamente delicado. Os Estados Unidos decidiram tomar o lado russo no conflito que se desenrola no Leste Europeu, em uma das maiores reviravoltas geopolíticas dos últimos 50 anos.
Ao dar afago a Putin, enquanto humilha publicamente Zelensky, Trump, indiretamente também humilha os aliados históricos da Europa, incluindo o premiê Starmer. As preocupações sobre segurança regional foram parte central da pauta discutida, sobretudo após o anúncio do governo britânico em aumentar para 2,5% do PIB anual os seus gastos com defesa.
Apesar de ter feito a "lição de casa" e ter chegado a Washington com promessas robustas a mostrar, a postura irredutível do presidente republicano, enfatizou que nem Starmer, nem nenhum outro líder europeu, terão facilidade em convencer os norte-americanos a retornar a sua posição histórica de defesa de valores comuns. O primeiro-ministro trouxe também uma carta do monarca Charles III, convidando o presidente a uma recepção oficial pelo Rei e sua família em Londres.
Mesmo com um sorriso de gratidão e a provável presença no Palácio de Buckingham em breve, é também provável que nada disso surta algum efeito prático e traga melhoras aos prognósticos das relações transatlânticas. A melhor chance nas mãos dos britânicos é utilizar a sua independência econômica, fora da União Europeia, para buscar um acordo bilateral mais favorável com os americanos, agora que as tarifas para os europeus foram confirmadas pela Casa Branca.
As razões por trás das decisões recentes de mudança de rumo de Washington, ainda são desconhecidas. A quebra tão brusca de tantos protocolos e tradições ainda tem causado noites de insónia por todo o velho continente. Os próximos dias serão cruciais para sabermos maiores detalhes do novo plano geopolítico de Trump, começando com reuniões mais concretas acerca do futuro ucraniano. Seja qual for o resultado, aquilo que se observa neste momento, constata que a "Relação Especial" tão valorizada dos dois lados do Atlântico, agora será apenas mais relação ordinária, dentre tantas outras, entre os Estados Unidos e o resto do mundo.