O espetáculo mexeu com a atriz, deixando-a com a sensação de que precisava ligar para a mãe e dizer que a amava.
“Eu fui muito arrebatada pelo assunto mãe. Porque a peça fala sobre o amor de mãe e filha, mas é mais sobre a mãe”, lembra Rita, em entrevista ao Metrópoles. Neste fim de semana, a atriz estreou “Uma relação tão complicada” no teatro UOL, em São Paulo.
Além da questão familiar, após assistir à peça, a atriz ficou com o sentimento de que precisava viver aquele texto no palco. Tentou duas vezes: a primeira, quando tinha um pouco mais de 20 anos; e a segunda, por volta dos 35.
A autora, a francesa Loleh Bellon, era, entretanto, enfática: para viver Charlotte e Jeanne, as atrizes precisavam já ter passado dos quarenta anos.
“Ela queria que o elenco tivessem realmente um conhecimento maior sobre a alma humana. Pensando assim, acho que montei na hora certa”, confirma.
Mais de três décadas depois da primeira montagem brasileira, a atriz, aos 51 anos, traz os textos de volta aos palcos com adaptação e produção suas. A trama mergulha na relação de duas mulheres, mãe e filha, em um arco temporal de 60 anos.
A personagem de Rita, Charlotte, começa com 27 e termina com mais de 80; enquanto Jeanne, vivida por Amanda Acosta, vai dos 5 anos e supera os 60. Depois de uma temporada de sucesso no Rio de Janeiro, a peça chega agora a São Paulo.
Confira os principais trechos da entrevista.
Você tinha 17 anos quando teve seu primeiro contato com esse texto. O que te arrebatou e te fez querer encená-lo também?
Me tocou muito porque é uma peça em que você se vê independentemente da idade. Você consegue ver seus pais, seus avós e gera questionamentos em todas as idades. Eu lembro que, aos 17 anos, eu fui muito arrebatada pelo assunto mãe. Porque a peça fala sobre o amor de mãe e filha, mas é mais sobre a mãe. Eu tentei montar essa peça algumas vezes no decorrer da minha carreira, mas a autora, Loleh Bellon, exigia que as atrizes tivessem no mínimo 45 anos. Porque ela queria que as atrizes tivessem realmente um conhecimento maior sobre a alma humana. Pensando assim, acho que montei na hora certa.
Para essa montagem, você também adaptou o texto. Como foi esse processo?
É um texto simples, mas extremamente profundo. Eu consegui o original em francês e comecei a pesquisar bastante. Eu pedi uma tradução bem ao pé da letra, porque eu não queria nenhuma influência nela. Na minha adaptação, eu fui trazendo um pouco para os nossos dias. A história se passa durante a Segunda Guerra Mundial. Eu precisei tirar um pouco as referências sobre a Guerra para deixá-la mais atual. Hoje, nós também passamos por momentos muito difíceis – tivemos a pandemia, a nossa segurança é muito instável, um momento político muito difícil de muito ódio e medo. Mas a obra da Loleh Bellon não dá pra mexer muito porque estraga.
Essa foi a primeira vez que você adaptou um texto?
É minha primeira adaptação. Mas, durante os 10 anos que eu passei nos Estados Unidos, fiz muitos cursos, e um deles foi de roteiro e escrevi alguns – estão guardadinhos, quem sabe um dia eu faça algo. Escrever sempre foi um uma vontade minha. Quando estudei, em Los Angeles, resolvi colocar para fora.
Vendo sua trajetória até aqui e a vontade de montar a peça desde os seus 17 anos, parece-me que, durante esses anos, você se preparou para montar a peça agora. Foi um pouco isso?
Foi um pouco, sim. Não fiquei a vida inteira tentando fazer essa peça, eu fui fazendo outras coisas. Mas quando eu terminava um projeto, eu falava: “deixa eu ver como "Uma relação tão complicada" está”. Eu tentei montar a peça três vezes. Na primeira, eu tinha 20 anos; depois, uns 35 anos; e agora, na terceira, foi! A ideia de fazer agora veio conversando com o produtor Geraldo Malheiros. Pedi uma dica do que eu poderia montar. “O que você acha de "Uma relação tão delicada?”", ele sugeriu sem saber que já tinha tentado antes. Hoje, eu estou mais preparada para fazer essa peça e entender a minha personagem que vivi até os 92 anos.
A velhice tem seu lado bom: você desliga da sua parte física e fica mais ligado nas suas ideias. Nós não somos o nosso corpo.
Como foi sua preparação para viver a Charlotte?
Foi observando meus pais, meus avós – tive um avô que morreu aos 100 anos, ele foi uma fonte de inspiração para mim. Durante esse processo, eu percebi que as pessoas só olham o lado negativo de envelhecer, e das outras fases da vida, só positivo. A infância tem um lado extremamente negativo – você está reduzido aos seus pais, não tem liberdade –, mas ninguém vê isso. A velhice tem seu lado bom: você desliga da sua parte física e fica mais ligado nas suas ideias. Nós não somos o nosso corpo. Eu consegui enxergar isso e trazer para Charlotte. Ela é extremamente vaidosa quando jovem, mas vai perdendo a vaidade. A peça fala muito do envelhecimento e do tempo, que é inexorável.
Quais são seus planos para 2023?
Eu estou bem esperançosa com nosso ano e o novo governo. Acho que começará um momento muito bom do Brasil e para a cultura – que esteve praticamente banida nos últimos quatro anos. A partir de maio, eu começo as filmagens da nova temporada da série Arcanjo Renegado. Eu quero também colocar alguns dos meus projetos em andamento. Tenho um roteiro que já está no segundo tratamento. Eu me dediquei muito pouco às minhas coisas. Vou começar também a produzir meus projetos agora.
Esse momento, em que há tantas plataformas de streaming, ajuda você a colocar esse seu lado produtora em prática?
Com certeza. É um momento muito fértil. Antes ficávamos muito limitados. Era um círculo muito fechado. Por exemplo, meu um filme, “Mar Inquieto”, que escrevi e produzi, ficou em cartaz, depois foi para o Canal Brasil, ficou um tempo em um streaming, agora, ele está no YouTube. Hoje, você sempre tem um veículo para mostrar e eu quero aproveitar isso.
Teatro UOL: Avenida Higienópolis, 618 (dentro do shopping Higienópolis). Sex.: 21h; sáb./dom.: 20h. Ingressos a partir de R$ 70. Site: teatrouol.com.br. Até 26 de fevereiro.
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