Bolsonaro e o então ministro Anderson Torres no Palácio da Alvorada –
VINÍCIUS SASSINE E CAMILA MATTOSOFOLHA DE S.PAULOMANAUS e BRASÍLIA – A Polícia Federal encontrou na residência de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, uma minuta (proposta) de decreto para o então presidente Jair Bolsonaro (PL) instaurar estado de defesa na sede do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).O objetivo, segundo o texto, era reverter o resultado da eleição, em que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) saiu vencedor. Tal medida seria inconstitucional.
O documento de três páginas, feito em computador, foi encontrado no armário do ex-ministro durante busca e apreensão realizada na última terça-feira (10). A PF vai investigar as circunstâncias da elaboração da proposta.
O material tem indicação de ter sido feito após a realização das eleições e teria objetivo de apurar abuso de poder, suspeição e medidas ilegais adotadas pela presidência do TSE antes, durante e depois do processo.
De acordo com pessoas familiarizadas com o caso, o documento cita o restabelecimento imediato da lisura e correção da eleição de 2022.
Após a Folha revelar a existência do documento, o ex-ministro afirmou em uma rede social que a minuta foi “vazada fora de contexto” e ajuda a “alimentar narrativas falaciosas”.
“No cargo de ministro da Justiça, nos deparamos com audiências, sugestões e propostas dos mais diversos tipos. Cabe a quem ocupa tal posição o discernimento de entender o que efetivamente contribui para o Brasil. Havia em minha casa uma pilha de documentos para descarte, onde muito provavelmente o material descrito na reportagem foi encontrado. Tudo seria levado para ser triturado oportunamente no MJSP [Ministério de Justiça e Segurança Pública]”, escreveu Torres no Twitter.
“O citado documento foi apanhado quando eu não estava lá e vazado fora de contexto, ajudando a alimentar narrativas falaciosas contra mim. Fomos o primeiro ministério a entregar os relatórios de gestão para a transição. Respeito a democracia brasileira. Tenho minha consciência tranquila quanto à minha atuação como ministro”, afirmou.
De acordo com a Constituição, a decretação do estado de defesa serve para “preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza”.
Ao contrário do estado de sítio —que precisa ser validado pelo Congresso para entrar em efeito— a decretação do estado de defesa começa a valer imediatamente. Ele precisa ser enviado em até 24 horas para aval do Congresso, que tem o poder de endossá-lo ou derrubá-lo.
A vigência do estado de defesa permite, na área e pelo período em que vigorar, a restrição de determinados direitos: o de reunião e os de sigilo de correspondência e de comunicações. Também permite prisão por crime contra o Estado, por prazo não superior a dez dias —a prorrogação requer autorização judicial.
O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou nesta semana a prisão de Torres.
Moraes também é presidente do TSE e protagonizou embates com Bolsonaro durante o pleito. O ex-presidente difundiu diversas vezes mentiras e teorias da conspiração contra as urnas eletrônicas. Também acusou o TSE —sem nunca apresentar provas— de trabalhar pela eleição de Lula.
Desde a derrota para Lula, Bolsonaro se manteve recluso no Palácio da Alvorada e praticamente não deu declarações públicas. Ele viajou aos Estados Unidos ás vésperas da posse, descumprindo assim o rito democrático de passar a faixa a seu sucessor.
Na noite de terça, Bolsonaro rompeu o silêncio e publicou em suas redes um vídeo com novas mentiras sobre as eleições de 2022. Ele apagou o conteúdo pouco depois.
No vídeo publicado e posteriormente apagado por Bolsonaro no Facebook, um homem identificado como Dr. Felipe Gimenez ataca a segurança das urnas eletrônicas. A publicação traz ainda as frases “Lula não foi eleito pelo povo. Ele foi escolhido e eleito pelo STF e TSE”.
Anderson Torres reassumiu o comando da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal em 2 de janeiro e viajou de férias para os EUA cinco dias depois.
Ele não estava no Brasil no domingo (8), quando bolsonaristas atacaram os prédios do STF, Congresso e Palácio do Planalto. O retorno ao país estava inicialmente previsto para o fim do mês, mas ele afirmou que antecipará o regresso para se apresentar à Justiça.
O governo Lula decretou intervenção federal na segurança pública do DF no mesmo dia dos distúrbios. Torres tem sido apontado por aliados do presidente como o principal responsável pelo episódio. Para o interventor Ricardo Cappelli, a manifestação golpista foi possível por causa da “operação de sabotagem” nas forças de segurança locais, promovida por Torres.
A invasão e depredação das sedes dos Três Poderes em Brasília —perpetradas por bolsonaristas influenciados por teorias da conspiração de que a vitória de Lula teria sido ilegítima— desencadeou uma forte reação da cúpula do Judiciário. As medidas mais duras foram adotadas por Moraes.
Além da ordem de detenção contra Torres, ele afastou do cargo o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB). Determinou ainda a prisão do ex-comandante da Polícia Militar do DF, Fábio Augusto Vieira.
Também foi de Moraes a autorização para que a PF realizasse uma operação de busca e apreensão na casa de Torres.
Ao justificar as prisões de Torres e Vieira, Moraes disse que a conduta dos dois é gravíssima e coloca as vidas de Lula, deputados federais, senadores e ministros da corte em risco.
Moraes disse que os fatos narrados em investigação da Polícia Federal, autora do pedido de prisão, “demonstram uma possível organização criminosa que tem por um de seus fins desestabilizar as instituições republicanas”.
“No caso de Anderson Torres e Fabio Augusto Vieira, o dever legal decorre do exercício do cargo de Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal e de Comandante-Geral da Polícia Militar do Distrito Federal, e a sua omissão ficou amplamente comprovada pela previsibilidade da conduta dos grupos criminosos e pela falta de segurança que possibilitou a invasão dos prédios públicos”, afirmou o ministro.
Nesta quarta, os ministros do STF referendaram as medidas de Moraes e decidiram, por maioria, manter os pedidos de prisão preventiva contra Torres e o ex-comandante da PM do Distrito Federal. Também endossaram o afastamento do cargo de Ibaneis Rocha (MDB).