O Ministério Público do Trabalho resgatou 44 trabalhadores, sendo 35 paraguaios e nove indígenas brasileiros, vivendo em situação análoga à escravidão em uma propriedade rural em Iguatemi. Os trabalhadores vão receber R$ 107 mil, referente a quitação de verbas rescisórias e demais obrigações acessórias, calculadas pela Fiscalização do Trabalho durante todo o período de serviços prestados.
As vítimas foram contratadas para a colheita manual de mandioca e submetidas a condições semelhantes à escravidão pela constatação do chamado "truck system", que é o endividamento dos trabalhadores em razão de obrigatória aquisição de mercadorias, em estabelecimento do empregador, mediante cobrança de preços acima da média, conforme detalharam representantes da Fiscalização do Trabalho e da Polícia Federal que atuaram de forma conjunta na diligência.
Os serviços foram paralisados imediatamente e os trabalhadores deslocados em um ônibus, até à sede da fazenda, onde os agentes públicos puderam retomar o procedimento de identificação e obtenção de declarações. Eles teriam sido recrutados por uma empresa prestadora de serviço, mediante a formalização de um contrato de pequena empreitada.
Após o flagrante, os auditores da Superintendência Regional do Trabalho, acompanhados por policiais militares, deslocaram-se até a cidade de Iguatemi, onde deram continuidade à coleta de depoimentos dos trabalhadores que estavam sob cuidados da Secretaria Municipal de Assistência Social e daqueles que não se encontravam na propriedade rural, na data da inspeção, em razão de problemas de saúde.
A operação teve origem em denúncia registrada junto à Delegacia de Polícia Federal de Naviraí, no dia 8 de setembro. Além da quitação das verbas rescisórias, o contratante desses trabalhadores submetidos a condições degradantes de trabalho assinou, no dia 22 de setembro, Termo de Ajuste de Conduta perante o Ministério Público do Trabalho por meio do qual, e ao longo de dez cláusulas, comprometeu-se a cumprir diversas obrigações de fazer e não fazer previstas na legislação laboral vigente, no caso de admitir outros empregados para a execução de serviços variados, assim como a regularizar a situação do coletivo de empregados paraguaios e indígenas brasileiros encontrado nesta operação de combate ao trabalho escravo.
Além de configurar uma violação à legislação trabalhista, reduzir alguém a condição análoga à de escravo é crime no artigo 149. O Código Penal Brasileiro prevê pena de reclusão de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência cometida.
Na sequência da ação fiscal, dois homens envolvidos na prática criminosa – responsáveis pela lavoura de mandioca e pela contratação dos trabalhadores – foram detidos em flagrante delito. Eles foram encaminhados para a Delegacia de Polícia Federal de Naviraí e liberados após o pagamento de fiança, por cada um, no valor de R$ 50 mil.
Não é apenas a privação de liberdade que torna o trabalho análogo ao de escravo, mas sim, a ausência de dignidade. Esses 44 trabalhadores foram flagrados sob parte dos quatro elementos que caracterizam o contexto: condições degradantes de trabalho, incompatíveis com a dignidade humana, caracterizadas pela violação de direitos fundamentais e que coloquem em risco a saúde e a segurança do trabalhador; jornada exaustiva (em que o trabalhador é submetido a esforço excessivo ou sobrecarga de trabalho que acarreta danos à sua integridade); trabalho forçado (manter a pessoa no serviço por meio de fraudes, isolamento geográfico, ameaças e violências físicas e psicológicas) e servidão por dívida (quando o trabalhador fica preso ao serviço por causa de um débito ilegal). Os elementos podem vir juntos ou isoladamente.
O número de vítimas do trabalho análogo ao de escravo em Mato Grosso do Sul em 2022 já supera o total registrado ao longo de 2021. Até o dia 20 de setembro, 116 trabalhadores foram resgatados, conforme relatório da Auditoria-fiscal do Trabalho em Mato Grosso do Sul, órgão vinculado ao Ministério do Trabalho e Previdência, do governo federal. Durante todo o ano passado, 81 trabalhadores foram flagrados laborando em condições degradantes.
Ainda conforme o levantamento do órgão, em 2022, das 78 ações fiscais realizadas na atividade rural, foram constatadas condições análogas às de escravo em nove estabelecimentos. Em 2021, das 112 propriedades rurais inspecionadas, foram realizados 11 procedimentos fiscais com resgate de trabalhadores.
Todo cidadão que presenciar pessoas atuando de formas que caracterizem o trabalho análogo ao de escravo pode denunciar ao MPT. Basta acessar o site: www.prt24.mpt.mp.br/servicos/denuncias ou pelo aplicativo MPT Pardal, voltado para o recebimento de denúncias.