Em estados como Rio de Janeiro e São Paulo, o tempo de espera pelo procedimento na rede pública de saúde é de cinco anos, em média, segundo ortopedistas ouvidos pela Folha. Mas, segundo relatos de pacientes pelo país, esse tempo pode ser muito maior.
Os dados, compilados pela Folha, são de um relatório do Ministério da Saúde com informações repassadas pelos estados do Acre, Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Roraima, São Paulo e Tocantins.
Os demais estados da federação não incluíram a artroplastia de quadril na lista de cirurgias prioritárias a serem contempladas no Programa Nacional de Redução de Filas, que conta com financiamento de R$ 200 milhões do Ministério da Saúde.
Ao todo, a fila declarada pelos estados é de 8.348 pacientes pacientes à espera de seis tipos diferentes de artroplastia de quadril. No procedimento, a articulação danificada é substituída por uma prótese de metal que adere ao osso e é recoberta por estruturas especiais de cerâmica ou polietileno.
O Rio Grande do Sul lidera a lista, com 3.684 pacientes aguardando a cirurgia, seguido de Goiás (2.520) e do Espirito Santo (564).
Mesmo nos estados que passaram suas listas, o número de pessoas esperando pela cirurgia está subestimado. Por exemplo, São Paulo aparece no plano com uma fila de 428 cirurgias prioritárias, mas só no Hospital das Clínicas, na capital paulista, cerca de 2.000 pessoas estão à espera do procedimento.
No município de São Paulo, há 2.900 pacientes com artrose de quadril aguardando passar em consulta com especialistas para avaliar a necessidade ou não de cirurgia, segundo a Secretaria Municipal de Saúde.
Caso tenham indicação, informa a pasta, serão inseridos no sistema de regulação de vagas do governo paulista (Cross), que segue ordem de prioridade clínica e cronológica, por se tratar de uma procedimento de alta complexidade.
O Rio de Janeiro figura no plano federal com uma lista de 42 artroplastias de quadril, porém, só no Into (Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia), ligado ao Ministério da Saúde e principal responsável pelo atendimento ortopédico cirúrgico no estado, há mais de 3.000 pessoas aguardando na fila.
Em nota, a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo disse que as filas para cirurgias estão descentralizadas (cada serviço tem a sua) e que atua para identificá-las, unificá-las, torná-las regionais e publicizá-las, de forma a ampliar os atendimentos e reduzir a espera.
A pasta afirmou que foram realizados 2.600 artroplastia de quadril de janeiro a maio de 2023, dentro de um universo de 22.227 cirurgias ortopédicas eletivas no mesmo período. Até o final de 2023 a meta do governo paulista é investir mais de R$ 371 milhões em mutirões de cirurgias eletivas.
Já o Ministério da Saúde diz que a fila por artroplastia do Into não aparece na lista informada pelo estado do Rio de Janeiro porque o serviço é federal e tem sua fila própria.
Em nota, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, disse que uma das prioridades da sua gestão é garantir o acesso mais rápido a cirurgias, exames e consultas no SUS.
Informou que o ministério está trabalhando no credenciamento e habilitações dos serviços e liberando recursos na medida em que as procedimentos são realizados, conforme foi acordado com os secretários municipais e estaduais de saúde. A meta é de chegar a 500 mil cirurgias dentro de um número estimado de 1 milhão.
Segundo o ortopedista João Antônio Guimarães, presidente da SBOT (Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia), a fila de artroplastia de quadril no SUS já era grande e cresceu mais após a pandemia devido ao represamento de procedimentos não realizados no período.
"Por mais que a gente opere, sempre tem gente entrando na fila. Essas patologias degenerativas mostram que a população está envelhecendo, e que a necessidade dessas cirurgias deve aumentar muito. É um problema sério de saúde pública, o país precisa ter um plano para enfrentá-lo", afirma ele, médico do Into.
De acordo com o ortopedista Jorge dos Santos Silva, diretor do serviço de emergência do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas, o grande problema da artrose de quadril é a dor incapacitante.
"Prejudica a qualidade de vida do paciente, que convive com dor diariamente. Ele não consegue colocar uma calça, uma meia, amarrar um sapato. É um problema para quem precisa trabalhar, para quem quer fazer atividade física também."
Silva lembra que a condição deve aumentar nos próximos anos em razão do envelhecimento populacional e prejudica ainda mais pacientes com doenças sistêmicas, como diabetes e obesidade.
Segundo ortopedista, há toda uma progressão de tratamentos até chegar na indicação cirúrgica, como fisioterapia e aplicação de ácido hialurônico no quadril.São tratamentos paliativos, que conseguem minimiza a dor por um tempo, mas só a artroplastia é considerada resolutiva. O presidente Lula, por exemplo, já passou por essas etapas.
De acordo com João Guimarães, com o atual financiamento das artroplastias no SUS e a demanda crescente por atendimentos, os serviços "estão secando gelo". "É muita gente. No Into, a gente opera 7.000 por ano e todos anos entram outros 7.000. A fila não acaba."
A aposentada Mercedes Menezes de Souza, 76, está há pouco mais de um ano na fila do instituto à espera de uma artroplastia de quadril. Segundo a família, se depender do atual ritmo do avanço do seu nome na fila, ela só será operada em sete anos.
Em janeiro deste ano, o filho, Daniel Oiticica, iniciou um financiamento coletivo para tentar a cirurgia na rede privada, mas, até agora só arrecadou 1% do valor pretendido (R$ 100 mil).
"Os remédios para dor são extremamente agressivos com o sistema renal [ela só tem um rim]", diz o filho, destacando que a mãe foi inscrita no número 414 da fila no Into em 24 de junho de 2022 e terminou o ano na mesma posição. Somente a partir de janeiro, com a mudança do governo é que a fila passou a andar.
"Hoje está na posição 263, mas, para a situação dela, nesse ritmo ela não aguenta mais. Está se intoxicando com a medicação e pode morrer."
A família entrou na Justiça para tentar colocar Mercedes na fila de prioridades. O juiz de primeira instância negou o pedido. Agora o caso está na segunda instância.
"As dores são insuportáveis. Fico sem sair de casa porque não posso andar", diz a aposentada. "Tenho artrose no quadril, igual o presidente Lula. Mas o presidente é o presidente. Ele pode tomar infiltração, mas eu não tenho dinheiro para isso e tenho de depender do SUS."
Em nota, o Ministério da Saúde confirmou a posição da paciente na fila e disse que ela será comunicada pela equipe médica do Into "na medida em que seus processos de preparação para cirurgia sejam finalizados e esteja apta para a realização do procedimento"
Informou que ainda que, de janeiro a junho de 2023, foram realizadas no instituto 31.643 cirurgias ortopédicas -3.846 de quadril.