A Câmara dos Deputados aprovou no início desta semana, projeto de lei que cria o chamado Protocolo "Não é Não" a fim de prevenir o constrangimento e a violência contra a mulher em ambientes nos quais sejam vendidas bebidas alcoólicas, como casas noturnas, boates e casas de espetáculos musicais em locais fechados ou shows.
O projeto de lei da deputada Maria do Rosário (PT-RS) e outros 26 parlamentares, será enviado ao Senado. O texto foi aprovado na forma de um substitutivo da relatora, deputada Renata Abreu (Pode-SP), segundo o qual ficam de fora das regras do projeto os eventos em cultos ou outros locais de natureza religiosa.
O protocolo deverá ser seguido ainda pela organização esportiva responsável pela organização de competições, conforme a Lei Geral do Esporte (Lei 14.597/23).
"A despeito das providências já tomadas pelos empresários do setor de eventos, nas casas destinadas ao entretenimento, casos graves ocorrem, infelizmente, como os noticiados em passado próximo", afirmou a relatora.
"Essa causa é de todas as mulheres e meninas que não aceitam de forma alguma a violência e o constrangimento", disse Maria do Rosário, lembrando a participação de várias deputadas e deputados na construção do texto.
O texto estabelece que, na equipe dos estabelecimentos, haja pelo menos uma pessoa qualificada para atender ao protocolo. Também deverá ser mantida, em locais visíveis, a informação sobre como acioná-lo, assim como dos telefones da Polícia Militar e da Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180).
O constrangimento é definido pelo texto como qualquer insistência, física ou verbal, sofrida pela mulher depois de manifestar a sua discordância com a interação.
Já a violência é caracterizada como o uso da força, resultando em lesão, morte e dano psicológico, entre outros, conforme a legislação penal. No caso de constrangimento, os estabelecimentos poderão adotar ações que julgarem cabíveis para preservar a dignidade e a integridade física e psicológica da denunciante e para subsidiar a atuação dos órgãos de saúde e de segurança pública eventualmente acionados.
Além disso, poderão retirar o ofensor do estabelecimento e impedir o seu reingresso até o término das atividades.
A todo caso, poderão criar um código próprio, a ser divulgado nos sanitários femininos, para que as mulheres possam alertar os funcionários sobre a necessidade de ajuda.
Quanto às situações de violência, esses estabelecimentos deverão:
Caso o local disponha de sistema de câmeras de segurança, deverá ser garantido o acesso às imagens pela Polícia Civil, pela perícia oficial e pelos diretamente envolvidos, preservando as imagens por um mínimo de 30 dias.
O PL 3/23 lista ainda direitos da mulher no âmbito dessa prevenção, a serem observados pelo estabelecimento, como ser prontamente protegida pela equipe do local para relatar o constrangimento ou violência; ser informada sobre os seus direitos; ser imediatamente afastada e protegida do agressor; e ter respeitadas as suas decisões em relação às medidas de apoio previstas.
Caberá à mulher definir se sofreu constrangimento ou violência e, se ela decidir deixar o local, deverá ser acompanhada até o seu transporte.
Dentro do Protocolo "Não é Não", o texto aprovado determina a observância de quatro princípios:
Quanto a essa articulação de esforços, o texto prevê que o poder público promoverá campanhas educativas sobre o protocolo e ações de formação periódica para conscientização sobre o mesmo e para sua implementação. Essas ações serão voltadas aos empreendedores e trabalhadores dos estabelecimentos.
O PL 3/23 cria também o Selo "Não é Não" – Mulheres Seguras, a ser concedido pelo poder público a qualquer outro estabelecimento comercial não abrangido pela obrigatoriedade de cumprimento do protocolo.
Vinculada ao selo, deverá ser divulgada uma lista dos locais que o possuírem, classificados como local seguro para mulheres.
O descumprimento, total ou parcial, do Protocolo "Não é Não" implicará em advertência e em outras penalidades previstas em lei.
Já para as empresas que tiverem o selo, elas o perderão e também serão excluídas da lista de "Local Seguro para Mulheres".
Parlamentares que tiveram projetos apensados ao PL 3/23 ou que foram coautores da proposta se manifestaram a favor do texto aprovado. O deputado Duarte Jr. (PSB-MA) lembrou dados sobre assédio. "Dois terços das brasileiras já relataram ter sofrido algum tipo de assédio em bares e restaurantes. Se elas atuam no comércio de bebidas, dentro dos bares e restaurantes, esse número sobe para 78%", declarou.
Para o deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS), "é importante que casas noturnas e outros lugares públicos tenham compreensão da importância desse acolhimento, uma condição para que as mulheres se sintam com vontade de estar nesses ambientes".
"Este projeto cria uma revolução de postura, de segurança para as mulheres brasileiras que, por muitas e muitas vezes e em muitas e muitas circunstâncias, passaram os piores constrangimentos", afirmou o deputado Ruy Carneiro (PSC-PB).
Segundo a deputada Delegada Ione (Avante-MG), "esse protocolo é um divisor de águas no Brasil, porque muitas violências contra a mulher são realizadas dentro de estabelecimentos e ela tem medo de denunciar".
"Como mulher, fico mais contente em saber que as mulheres poderão ficar mais seguras nesses lugares, vestindo a roupa que quiserem", disse a deputada Maria Arraes (Solidariedade-PE).
Já a deputada Dandara (PT-MG) ressaltou que o Brasil ocupa a quinta posição mundial no ranking de feminicídio. "Não podemos relativizar a violência contra a mulher. O feminicídio é só a ponta desse iceberg", disse.
O "Protocolo Não é Não" foi inspirado ao que existe na cidade de Barcelona (Espanha), conhecido como "No Callem", para combater a violência sexual em espaços privados noturnos. O protocolo foi aplicado em episódio que resultou na prisão do jogador de futebol Daniel Alves, acusado de estuprar uma mulher em uma boate daquela cidade.