Conhecida pelo termo em inglês "off-label", a prática é tema frequente de processos judiciais movidos por pessoas internadas (hospital ou domicílio) e por pacientes com câncer que tomam medicação em casa, segundo advogados especialistas em saúde suplementar consultados pela Folha.
De acordo com o julgamento do colegiado, se o medicamento tem registro na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), a recusa ao tratamento pela operadora é abusiva. Isso vale para a indicação "off-label", feita pelo médico, e também para tratamento considerado experimental.
Aplicada especificamente ao caso julgado, a determinação pode influenciar decisões sobre processos em que se busca o mesmo direito. Mas isso não afeta automaticamente as ações em andamento ou futuros processos.
Para gerar esse tipo de efeito cascata, o STJ precisaria ter analisado o tema como um Recurso Repetitivo (quando o tribunal define que uma tese deve ser aplicada a processos idênticos), o que não ocorreu, explica o advogado Franco Mauro Russo Brugioni.
"É Claro que abre um precedente importante, pois é uma decisão de um dos órgãos máximos do Poder Judiciário", diz Brugioni.
Ele também reforça que é só por meio de ação judicial que há chance de se obter o direito ao custeio de medicação "off-label".
A decisão é direcionada para tratamentos realizados no hospital, mas há duas exceções: medicamentos antineoplásicos, que são os quimioterápicos regularmente utilizados no tratamento de câncer e que podem ser tomados em casa, e nas internações domiciliares (home care) autorizadas pela ANS (Agência Nacional de Saúde), segundo o advogado Bruno Tasso.
Não é possível, portanto, aplicar a decisão para outros casos de medicamentos prescritos fora da previsão da bula como, por exemplo, o Ozempic. A droga indicada para diabetes se tornou muito popular para perda de peso em pouco tempo.
Na origem do caso, uma beneficiária do plano de saúde ajuizou ação contra a operadora para pleitear o custeio do medicamento Rituximabe. Trata-se de um antineoplásico cuja indicação na bula é para alguns tipos de linfoma e artrite reumatoide.
No caso da paciente, porém, o medicamento foi administrado durante a hospitalização para tratamento de complicações decorrentes de doença autoimune.
Ao negar a cobertura, a operadora do plano DISSE que o fármaco não estaria incluído no rol de procedimentos e eventos em saúde da ANS.
O relator no STJ do recurso apresentado pela operadora, ministro Raul Araújo, destacou, porém, que o tribunal já havia admitido a possibilidade de cobertura no caso de não haver substituto terapêutico, dentro de certas condições.
No relatório, o ministro destaca, no entanto, que a cobertura fora do rol da ANS, que serve de referência básica, deve ser analisada caso a caso.
"Nesse cenário, conclui-se que tanto a jurisprudência do STJ quanto a nova redação da Lei dos Planos de Saúde admitem a cobertura, de forma excepcional, de procedimentos ou medicamentos não previstos no rol da ANS, desde que amparada em critérios técnicos, cuja necessidade deve ser analisada caso a caso", concluiu Raul Araújo.
Thamy de Souza Ribeiro, advogada do escritório que representou a paciente, afirma que é praxe da maioria das operadoras de saúde negar procedimentos nos quais a indicação da bula não necessariamente corresponde ao tratamento pretendido. Ocorre que, assim como no caso do processo em questão, quem deve ditar o procedimento ou circunstâncias de uso do medicamento é o médico, não a operadora", diz Ribeiro.
Ela também afirma que o médico da cliente identificou diversos estudos científicos que apontavam a efetividade do medicamento receitado para o tratamento do lúpus. "Lembramos também que a paciente chegou ao hospital em estado emergencial, com grandes riscos de morte. Entendemos que a negativa além de ilegal, é cruel."
Principal representante das operadores de saúde do país, a FenaSaúde disse que não participou do processo e, por isso, não dispõe de detalhes técnicos para analisar o caso.
A ANS afirmou que não comentaria a decisão.
Leia Também: O que fazer com remédios vencidos ou não utilizados?