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A transição que serviu de exemplo, e o presidente que não entregou a faixa

Por Midia NAS em 04/11/2022 às 18:08:34
William Helal FilhoBlog do Acervo/O GloboRio de Janeiro – Já passava das 20h daquele domingo, 29 de dezembro de 2002, quando o então presidente Fernando Henrique Cardoso chegou à Granja do Torto, em Brasília, acompanhado de sua mulher, dona Ruth, para um jantar com Luiz Inácio Lula da Silva e dona Marisa. O petista havia preparado uma costela assada, sua especialidade na culinária, para comer com o adversário político do PSDB.

Seria mais um da série de encontros que os dois tiveram desde 27 de outubro daquele ano, quando o ex-metalúrgico foi eleito presidente da República, derrotando o tucano José Serra, candidato indicado pelo próprio Fernando Henrique. O sociólogo que coordenara a instalação do Plano Real e comandara o governo federal por dois mandatos consecutivos e estava de despedida do Palácio do Planalto.

No jantar da Granja do Torto, o principal assunto seria a cerimônia de posse de Lula, dali a três dias. Mas, ao longo das semanas anteriores, diversos temas de importância nacional haviam sido debatidos entre eles numa transição de governo considerada, até hoje, exemplar. Não faltaram críticas públicas de um lado a outro, mas sobraram cordialidade e respeito à democracia.

Transições nem sempre são assim. O mesmo tom amistoso não foi observado quando, por exemplo, o general João Figueiredo, último presidente da ditadura militar, se recusou a passar a faixa para José Sarney (PMDB), em 1985. Os dois eram adversários desde que o político maranhense deixara o governista PDS e se juntara à oposição, levando correligionários insatisfeitos com o regime.

José Sarney e João Figueiredo em 1983, antes de se tornarem rivais — Foto: Luiz Antonio/Agência O GLOBO

Sarney passou a ser considerado traidor pelos militares. Ao fim da ditadura, o Congresso escolheu, em eleição indireta, Tancredo Neves como presidente. Mas o peemedebista mineiro morreu antes de tomar posse, e Sarney, vice na chapa, assumiu no lugar. Figueiredo, mordido, saiu do Planalto pelos fundos e deixou um servidor do Palácio entregar a faixa presidencial na cerimônia de posse.

A julgar pela forma como o presidente Jair Bolsonaro (PL) vem agindo depois de perder as eleições para Lula, no último domingo, políticos e comentaristas esperam que sua atitude na cerimônia de posse, no próximo dia 1º de janeiro, em Brasília, seja algo parecida com a do general gaúcho no fim da ditadura. Tomara que não.

Em 2002, a sinergia começou assim que saiu o resultado do pleito. Um vídeo que circula pelas redes sociais mostra o momento em que Lula recebe um telefonema do rival José Serra, que fora ministro da Saúde de FH. Os dois falam sobre tirar uns dias de descanso após a campanha e sobre retomar o diálogo logo em seguida. “Você foi um adversário leal”, diz o petista ao fim da ligação.

Transição. FH, Lula, Ruth Cardoso e dona Marisa sobem rampa no Palácio da Alvorada para um jantar — Foto: Aílton de Freitas/Agência O GLOBO

A partir daí, houve total colaboração por parte do governo FH com a equipe de transição coordenada por Antônio Pallocci, que viria a ser ministro da Fazenda do governo Lula. O grupo também tinha Luiz Gushiken, Glesi Hoffmann, Luiz Eduardo Soares e vários outros. Durante dois meses, eles se reuniram com Pedro Malan, Armínio Fraga e outros nomes graúdos da equipe econômica tucana.

A própria Granja do Torto, uma das residências oficiais do governo em Brasília, foi cedida a Lula para que ele se hospedasse lá enquanto estivesse na capital para acompanhar a transição. E, quando FH viajou para a Europa dias depois da eleição, o então presidente garantiu a políticos e investidores de fora do país que a gestão petista cumpriria todos os compromissos firmados por ele.

Em reunião com governadores do PSDB recém-eleitos, Fernando Henrique disse que a bancada do partido no Congresso não deveria fazer “oposição provocativa”. Na época presidente da Câmara dos Deputados, Aécio Neves afirmou que a legenda não atrapalharia um governo escolhido pela maioria. Tasso Jereissati pediu grandeza aos tucanos, e Geraldo Alckmin, eleito governador de São Paulo, foi claro: “O governo que começa tem de ter credibilidade. Sou contra a realização de terceiro turno”.

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