Na maioria das vezes, tal procedimento Ă© indicado somente para pacientes com cegueira permanente (ou com baixa visão extrema) com o objetivo de tentar recuperar a aparĂȘncia de um olho normal. Dentre os problemas que podem ser causados pelo uso indevido dessa tĂ©cnica estão o surgimento de lesões na córnea, que podem ser persistentes e levar à perfuração do olho, infecções graves (atĂ© no interior do olho), e aumento da pressão dentro do olho.
Pacientes que jĂĄ usaram a tĂ©cnica informam dificuldade de enxergar, dor no olho, ardĂȘncia, sensação de areia, aversão à luz e lacrimejamento persistente. Todas essas situações podem levar à redução da visão do paciente, seja na periferia ou no centro da visão, evoluindo, em alguns casos, para a cegueira permanente.Na chamada "tatuagem da córnea", ou ceratopigmentação, Ă© empregada uma tĂ©cnica cirĂșrgica na qual micropigmentos de diferentes cores são implantados nas camadas mais internas da córnea para alterar sua coloração. O procedimento Ă© destinado, principalmente, ao tratamento de manchas brancas que acometem os olhos de pacientes cegos.
"Muitos pacientes que apresentam cegueira permanente em um olho sofrem com o estigma social que sua aparĂȘncia pode provocar. A ceratopigmentação Ă© uma tĂ©cnica indicada para casos em que o paciente cego não se adapta à lente de contato cosmĂ©tica (lente de contato colorida), ou quando não hĂĄ indicação de evisceração ou enucleação (retirada do globo ocular) para adaptação de prótese ocular", esclarece a cirurgiã oftalmologista Juliana Feijó Santos.
"Ă importante enfatizar que a ceratopigmentação refere-se apenas à coloração corneana, sendo a modificação da coloração escleral (a parte branca do olho) totalmente proscrita (não deve ser realizada)", destaca.
A ceratopigmentação ganhou visibilidade no paĂs nos primeiros dias de 2024 após a publicação de vĂdeo em rede social no qual uma brasileira com visão saudĂĄvel afirma que realizou a cirurgia para mudar a cor dos olhos na SuĂça. As imagens foram compartilhadas na pĂĄgina da clĂnica responsĂĄvel pelo procedimento e jĂĄ ganharam mais de 14 milhões de visualizações.
No Brasil, o uso da ceratopigmentação para fins estĂ©ticos Ă© desaconselhado pelo CBO em pacientes saudĂĄveis. Segundo o conselho, o procedimento Ă© recomendado exclusivamente para pessoas que perderam a visão e pode ser realizado apenas quando a córnea jĂĄ estĂĄ comprometida. O Conselho Federal de Medicina (CFM) tambĂ©m não autoriza o uso da tĂ©cnica com essa finalidade.
"Como em todos os procedimentos cirĂșrgicos, os principais riscos são de infeção e inflamação do olho operado", alerta Juliana Feijó, especialista em córnea. Ela ressalta ainda que são poucas as evidĂȘncias cientĂficas dos efeitos de longo prazo do uso de pigmento no estroma corneano, corroborando a necessidade de cautela na busca pela ceratopigmentação. Outro ponto do alerta do CBO vem do fato da ceratopigmentação dificultar futuros exames e procedimentos oculares, como o mapeamento de retina e a cirurgia de catarata.
Segundo a mĂ©dica, mesmo como prĂĄtica reparadora usada no atendimento de pacientes cegos, a cirurgia só deve ser realizada em um cenĂĄrio em que sejam observados cuidados de biossegurança e com uma boa orientação pós-operatória, pois trata-se de um ato mĂ©dico invasivo e de alto risco.
"Ă muito importante estar atento ao estado prĂ©vio do olho a ser operado, uma vez que a patologia de base pode influenciar nas intercorrĂȘncias, como perfurações em córneas finas, neoplasias [tumores] não diagnosticadas previamente, ou atĂ© o desenvolvimento de herpes ocular, ou rejeição de um transplante de córnea preexistente", acrescenta Juliana.
Quanto à infraestrutura do local do atendimento, o CBO diz que deve ser realizado em centro cirĂșrgico e com o paciente anestesiado. No pós-operatório, Ă© imprescindĂvel um seguimento clĂnico e uso correto dos colĂrios, para redução de riscos. Para pessoas que pretendem mudar sua imagem com a mudança na cor dos olhos, a indicação Ă© de uso de outras estratĂ©gias, bem mais seguras.
De acordo com a presidente do CBO, Wilma Lelis, pessoas com boa saĂșde ocular que, por motivos estĂ©ticos, desejem mudar a cor dos olhos tĂȘm como melhor alternativa o uso de lentes de contato cosmĂ©ticas. Wilma alerta que mesmo elas devem ser usadas sempre com acompanhamento de um oftalmologista e os cuidados de higiene adequados, visto que a lente tambĂ©m interfere na biologia lacrimal e da superfĂcie ocular com potenciais riscos.
"O CBO recomenda que, em qualquer situação, medidas que possam trazer impacto na saĂșde ocular sejam amplamente discutidas com um mĂ©dico oftalmologista. Ao fazermos essa orientação, com base em conhecimento tĂ©cnico e cientĂfico reconhecido, queremos proteger a saĂșde da população e chamar a atenção para eventuais riscos aos quais pode ser exposta desnecessariamente", concluiu Wilma.