Após enfrentar uma situação devastadora com níveis históricos de incêndios em 2020 e 2023, o pantanal continua a enfrentar desafios ao longo deste ano. Devido às chuvas abaixo da média, o bioma não está experimentando a inundação típica, o que levanta preocupações, segundo informações do Folhapress.
O pantanal depende das chuvas nas regiões de planalto, provenientes da Bacia do Alto Paraguai. Normalmente, o ciclo começa em outubro, atinge o pico em dezembro e janeiro, prolongando-se até março. Durante as enchentes, as águas transbordam dos rios, conectam lagoas e formam extensas áreas alagadas.
Entretanto, em novembro de 2023, a região testemunhou o fogo em vez das habituais inundações. O pantanal registrou 4.134 focos de calor, o maior índice já registrado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) para o período desde 1998. Em comparação com novembro de 2020, houve um aumento significativo, passando de 778 pontos de calor. Durante todo aquele ano, o bioma perdeu 3,9 milhões de hectares devido a incêndios que geraram comoção mundial.
Além dos incêndios, o pantanal também está sendo afetado pelas mudanças climáticas. A alteração no ciclo das águas pode ser observada através da régua centenária de Ladário (MS), localizada na parte alta da Bacia do Rio Paraguai e monitorada pelo 6º Distrito Naval da Marinha, que possui registros das cheias desde 1900.
No primeiro dia de janeiro de 2024, o nível do rio Paraguai, principal responsável pelas inundações no bioma, estava em 0,31 centímetros. Embora esteja aumentando, o processo é lento, alcançando os atuais 0,50 centímetros registrados na última sexta-feira (12).
Apesar de ser prematuro para estimar o cenário durante o período de estiagem, os especialistas expressam preocupação. O pesquisador da Embrapa, Carlos Roberto Padovani, destaca que o valor médio do rio Paraguai em Ladário para a data de 8 de janeiro é de 1,59 metro, conforme dados históricos.
"Dos seis meses de temporada de chuva, olhando de outubro a dezembro, não choveu quase nada. Se choveu, foi pontual", disse Padovani. "Está chovendo, mas não o suficiente para encher nível do rio", avaliou. Para o extravasamento, quando o rio joga água fora da calha, o mínimo a ser alcançado é de 4 metros.
Segundo Padovani, a média histórica da cheia é de 5,5 metros. Em 2024, a estimativa máxima é que o nível do rio Paraguai seja de 4,5 metros até meados de março, quando termina o calendário de inundação no pantanal. O cálculo é um pouco melhor do que o resultado de 2023, quando máximo alcançado no ano foi de 4,24 metros.
Chuva atrasada
A perspectiva moderada para 2024 é baseada em índices históricos que mostram a redução da precipitação de outubro a dezembro, quando, regularmente, começa o regime das chuvas no pantanal.
Em 2023, comparado aos demais anos da série de dados, desde 1981, a queda em outubro foi de 28,85%; em novembro, de 29,79% e, em dezembro, 50,65%. Os índices foram estimados para as sub-bacias do planalto, na região norte da Bacia do Alto Paraguai. Padovani, no entanto, é cauteloso.
"O pantanal não está inundado, mas não está em crise, não está deserto". O pesquisador alega que ainda é prematuro estimar o que pode acontecer na temporada de seca, que começa em maio e tem seu auge em setembro, época que também aumenta o risco de incêndios florestais.
O pesquisador relembra momentos extremos do bioma, que passou por estiagem severa de 1962 a 1973 e, depois, a cheia da década de 1980, quando o nível do rio Paraguai chegou a 6,64 metros, em 1988. "Quando a enchente chegou, a estiagem era tida como normal. Agora, o processo se inverteu".
Padovani acredita que as chuvas de janeiro a março ainda podem surtir algum efeito este ano e trazer cheia próxima ao patamar de 2023. "Mas tem que chover nas bacias do Alto Paraguai, no norte."
A expectativa é baseada na inconstância pantaneira: no ano passado, por exemplo, o rio Paraguai extrapolou os 4 metros de junho até agosto, quando o regime de chuvas aconteceu de forma atípica, de janeiro a maio, fora do costumeiro calendário do ciclo das águas.
Pesquisador membro do MapBiomas, Eduardo Reis Rosa, tem visão mais crítica e não acredita em mudanças significativas no cenário. "O que tinha que encher, já foi, está chegando um período preocupante".
Segundo ele, a cheia de 2023 foi boa, mas não foi suficiente para renovação do pantanal. "Vamos torcer para que 2024 ainda tenham pelo menos chuvas esporádicas".
Em 2020, o pantanal experimentou a perda de 3,9 milhões de hectares devido a incêndios, o que equivale a 26% do bioma, conforme dados do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa) da UFRJ.
Neste ano, além dos incêndios ocorridos em novembro, outra cena impactante chamou a atenção na região. Em dezembro, o Instituto Homem Pantaneiro (IHP) capturou uma imagem de uma nuvem de poeira que “engoliu” a Serra do Amolar, na região do Acurizal. Esse fenômeno, que durou aproximadamente uma hora, foi resultado da combinação de ventos fortes e altas temperaturas, de acordo com o serviço de meteorologia.
Ângelo Rabelo, presidente do IHP, que registrou o evento, mencionou que essa foi a segunda ocorrência dessa tempestade em 2023. Ele explicou que os ventos provenientes da região norte de Mato Grosso trouxeram cinzas dos incêndios florestais no estado vizinho, contribuindo para a tempestade de areia. Esse fenômeno causa apreensão entre os ribeirinhos e a população local.
O IHP também adota uma postura cautelosa em relação ao futuro. O biólogo do instituto, Wener Hugo Moreno, afirmou que é prematuro concluir um diagnóstico para a cheia do pantanal, embora já se observe uma redução nos níveis do rio na régua de Cáceres (MT) ao comparar 2023 e 2024.
A reportagem tentou contatar o governo de Mato Grosso do Sul para obter informações atualizadas sobre as medidas preventivas contra incêndios florestais, mas não recebeu resposta.
No ano anterior, em novembro, o Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul utilizou imagens de satélite, três aeronaves com capacidade de até 3 mil litros de água, e caminhões específicos para o transporte de água a fim de extinguir os focos de incêndio. O combate às chamas contou também com o apoio de brigadistas locais, equipes do PrevFogo e do IHP, além das chuvas que ocorreram no final daquele mês.
*com informações Folhapress