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Investigação de genocídio de yanomamis já passou por quatro delegados

(FOLHAPRESS) - O inquérito aberto pela PF (Polícia Federal) para investigar suspeita de genocídio contra o povo yanomami já passou por quatro delegados, é tocado hoje por um policial fora de Roraima e ainda busca indícios para configuração e materialidade do crime.

Por Midia NAS em 17/01/2024 às 15:39:54

Uma possibilidade para a investigação, segundo fontes a par do andamento do inquérito ouvidas pela Folha em condição de anonimato, é que seja apontado crime contra a humanidade, com eventual encaminhamento a foros internacionais, como o TPI (Tribunal Penal Internacional).

Se o enquadramento se limitar a crime contra a humanidade, o MPF (Ministério Público Federal) não poderia oferecer denúncia contra os responsáveis, cabendo a responsabilização à esfera internacional, conforme as fontes ouvidas pela reportagem.

Há um debate entre investigadores sobre a configuração da intenção de destruição do povo yanomami, e se essa intenção é necessária para enquadramento do crime de genocídio. Parte entende que a intenção precisa estar materializada. Outra aponta a omissão como suficiente para culpa.

Entre políticos que podem ser alvos da investigação estão o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seu ex-vice, o general da reserva Hamilton Mourão (Republicanos-RS), que presidiu o Conselho Nacional da Amazônia Legal. Mourão foi eleito senador. Os dois negam prática de crimes na crise humanitária dos yanomamis e dizem ter agido com medidas de governo no mandato anterior.

A possibilidade de que Bolsonaro seja enquadrado por genocídio é apontada como uma das múltiplas razões para a troca de comando do inquérito, com opção por um delegado mais experiente para o inquérito, que corre sob sigilo. O delegado que conduz hoje a apuração atua em Montes Claros (MG), cidade a 4.700 km de Boa Vista, onde está a superintendência da PF em Roraima.

A sede da PF em Brasília e as superintendências em Minas Gerais e em Roraima não responderam a questionamentos da reportagem sobre o inquérito.

A investigação foi uma determinação do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, feita em janeiro de 2023, na esteira da declaração de emergência em saúde pública no território pelo governo Lula (PT).

"Há indícios fortíssimos de materialidade do crime de genocídio, é disso que se cuida, e as penas podem chegar até a 30 anos", disse Dino na ocasião. Ele deixará o ministério para assumir em fevereiro o cargo de ministro do STF (Supremo Tribunal Federal).

Os primeiros responsáveis pelo inquérito decidiram concentrar a apuração na responsabilidade de garimpeiros, operadores da logística do garimpo, coordenadores de saúde indígena e agentes políticos.

Existe hoje uma dependência do inquérito a outras investigações em curso na PF, sobre financiadores e operadores da logística do garimpo de ouro e cassiterita na terra yanomami e também sobre desvios de recursos na compra de medicamentos básicos para os indígenas, como vermífugos.

Uma investigação da PF e do MPF já mostrou, por exemplo, que um suposto esquema de fraude e desvio de recursos de medicamentos deixou 10.193 crianças yanomamis desassistidas, no auge da crise humanitária durante o governo Bolsonaro.

O resultado foi um "aumento de infecções e manifestações de formas graves da doença, com crianças expelindo vermes pela boca", conforme as investigações.

Entre diligências feitas até agora no curso inquérito, estão solicitações de dados de Sesai (Secretaria de Saúde Indígena) e Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas); pedidos de laudos epidemiológicos e de contaminação por mercúrio ao INC (Instituto Nacional de Criminalística), da PF; e mapeamento das aldeias mais atingidas por garimpos.

Foram ouvidos profissionais de saúde com atuação direta na terra yanomami. E há relatórios sobre a desassistência histórica em saúde no território tradicional, o maior e mais populoso do país.

Entre investigadores, há convicção de que o governo Bolsonaro estimulou a presença de garimpeiros na terra indígena -foram mais de 20 mil invasores, no auge da crise humanitária. Também houve negligência com informações disponíveis sobre a crise, tanto no governo quanto no Conselho da Amazônia Legal, segundo esses investigadores.

Os crimes que precisam ser investigados, conforme a determinação do Ministério da Justiça, são genocídio, omissão de socorro, crimes ambientais e outros delitos, como consta no ofício assinado por Dino.

O avanço efetivo do inquérito depende de um fatiamento das investigações, segundo fontes que acompanham o andamento da apuração.

Se a continuidade da omissão ficar caracterizada, o governo Lula também pode ser incluído no inquérito, segundo investigadores, mas, até agora, não haveria elementos dessa omissão.

Em menos de dois anos, na segunda metade da gestão de Bolsonaro, foram 44 mil casos de malária na terra yanomami, onde vivem 28 mil indígenas. Mais da metade das crianças estava desnutrida, segundo o MPF. Em comunidades mais isoladas, o índice chegava a 80%.

O MPI (Ministério dos Povos Indígenas) afirmou que 99 crianças yanomamis morreram em 2022 em decorrência dos impactos do garimpo ilegal. As mortes ocorreram por desnutrição, diarreia, pneumonia e outras doenças, conforme a pasta. As crianças tinham entre um e quatro anos de idade.

Houve grande subnotificação de casos ao longo do governo passado. Em 2023, o primeiro de emergência em saúde no território e o primeiro do atual mandato de Lula, houve mais notificação de casos de doenças e de mortes, em razão da maior presença de equipes de saúde.

O relatório mais recente do COE mostra que 308 yanomamis -ou indígenas de outros subgrupos na região- morreram em 2023. Os dados incluem registros até 30 de novembro. Mais da metade dos óbitos foi de crianças de até 4 anos. Entre as causas principais das mortes estão pneumonia, diarreia, malária e desnutrição. Os casos de malária somam mais de 25 mil.

O garimpo retomou a força em regiões estratégicas do território, especialmente a partir do segundo semestre. Dos 20 mil invasores, agentes de fiscalização estimam que cerca de 3.000 permanecem na terra indígena, boa parte vinculada a facções criminosas que controlam áreas. Acessos de equipes de saúde seguem impedidos em determinadas aldeias e regiões.

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