Elisa Tobias
Educomunicadora e analista de comunicação do Instituto Palavra AbertaMariana Mandelli
Coordenadora de comunicação do Instituto Palavra AbertaFOLHA DE S.PAULO“Se ele (Hitler) fez com judeus, eu faço com petistas também.” “Pela reescravização dos nordestinos.” “Quero sua mãe aquela negrinha (sic)“. Junto a emojis e figurinhas de ódio, essas e outras frases abjetas circularam nos últimos dias em um grupo de WhatsApp de alunos de um colégio particular de Valinhos, interior de São Paulo.
Não foi o único caso recente do tipo: em Brasília (DF), algo semelhante aconteceu entre estudantes de um colégio privado no dia 31 de outubro. Em Porto Alegre (RS), o Ministério Público está investigando falas discriminatórias de alunos de duas escolas particulares em aplicativos de mensagem e durante transmissões ao vivo no TikTok.
Além de ofensas e da apologia a regimes de extrema direita por adolescentes, essas denúncias têm em comum o período em que ocorreram: logo após o fim do segundo turno das eleições presidenciais. Se o clima de ódio que se acirrou nos últimos meses no país por conta do contexto político corrói famílias e outros ambientes de sociabilidade, não seria diferente com crianças e jovens em ambiente escolar.
O público infantojuvenil também é suscetível a discursos extremistas. Portanto, não estão imunes a um cenário que vem se radicalizando e envenenando a democracia brasileira por meio de narrativas revisionistas, conteúdos desinformativos e teorias conspiratórias. Somente no que se refere ao neonazismo, dados da Safernet mostram que o número de denúncias anônimas de conteúdos do tipo na internet cresceu 60,7% somente entre 2020 e 2021.
Como os casos recentes em colégios mostram, o que ocorre nas mídias sociais, refletindo a tensão política atual, não está dissociado do clima de sala de aula. Portanto, a escola não pode se eximir de debater situações de racismo e xenofobia que envolvem seus estudantes e professores. Fingir que o preconceito não existe ou tentar minimizar as ocorrências só contribui para a potencialização do problema, desperdiçando a chance de atuar no momento de formação de cidadãos e cidadãs mais empáticos e responsáveis.
Declarações xenofóbicas, racistas e elitistas não podem ser tratadas como brincadeira de adolescentes. Da mesma forma, a discussão em torno do nazismo e do fascismo não pode se referir apenas a períodos históricos do século XX: deve ser atualizada para que alunos e alunas compreendam o potencial genocida dessas ideologias que, infelizmente, seguem vivas.
Sendo assim, abordar as relações étnico-raciais é fundamental para que educadores e instituições revejam sua postura e comecem a atuar de forma pedagógica para combater o ódio. A legislação brasileira garante isso desde janeiro de 2003 por meio da Lei 10.639, que obriga as escolas de ensino fundamental e médio a discutirem em sala de aula a história e cultura afro-brasileira.
Mas esse debate deve caminhar junto à reflexão sobre as relações sociais e culturais que as novas gerações têm construído com as tecnologias. Fazer uma leitura crítica daquilo que chega até as nossas mãos e desenvolver uma postura ética nas mídias sociais são habilidades que a escola deve incentivar, para que crianças e jovens compreendam que o uso das ferramentas digitais para propagar racismo fere direitos humanos, promove violência e reforça estruturas excludentes – e, claro, é crime.
Para isso, educadores e educadoras devem contar com formações iniciais e continuadas que deem conta dos desafios contemporâneos que o cenário de desinformação e pós-verdade nos trouxe, em que direitos constitucionais como a liberdade de expressão são distorcidos para disseminar elogios a políticas de aniquilamento de minorias étnicas e raciais. As redes de ensino públicas e privadas devem investir em ações de letramento racial e educação midiática de suas equipes pedagógicas, sem confundir essas práticas com “doutrinação ideológica”.
Como apontou Pap Ndiaye, doutor em História e ministro da educação da França: “Não nascemos racistas, nos tornamos racistas.” Portanto, se é na escola que formamos pessoas para o exercício da cidadania e da democracia, não deve haver em seu ambiente espaço para o cultivo de valores higienistas e xenofóbicos. Educação e antirracismo são indissociáveis.