As quebras de sigilo autorizadas para Polícia Federal levaram à descoberta de irregularidades nas contas de desembargadores em operação realizada nesta quinta-feira. A polícia investiga venda de sentenças, organização criminosa, lavagem de dinheiro e extorsão em desembargadores que receberam até R$ 100 mil no último pagamento no portal da transparência, chegando a R$ 200 mil em fevereiro deste ano.
No último holerite disponível no Portal da Transparência, Alexandre Bastos recebeu R$ 67,6 mil líquido; Marcos José de Brito, R$ 100,5 mil; Sérgio Martins (presidente do TJMS), R$ 90 mil; Sideni Soncini, R$ 61,9 mil; Vladimir Abreu, R$ 51,9 mil.
O salário bruto é de R$ 39,7 mil, mas os desembargadores recebem subsídio de cargo de confiança, indenizações e vantagens eventuais. Em fevereiro deste ano, Marco Brito chegou a receber R$ 209,1 mil.
Ocultação de bens
Ao pedir prisão e afastamento, a polícia detalhou várias situações de ocultação de bens.
"Detalha os dados obtidos em decorrência dos afastamentos dos sigilos telemático, bancário e fiscal no tocante aos Desembargadores VLADIMIR ABREU DA SILVA e seus filhos ANA CAROLINA MACHADO ABREU DA SILVA e MARCUS VINÍCIUS MACHADO ABREU DA SILVA (fls. 787-813), ALEXANDRE AGUIAR BASTOS e sua filha CAMILA CAVALCANTE BASTOS (fls. 813-825), DIVONCIR SCHREINER MARAN e seus filhos DIVONCIR SCHREINER MARAN JUNIOR, VANIO CESAR BONADIMAN MARAN, RAFAEL FERNANDO GHELEN MARAN e MARIA FERNANDA GHELEN MARAN (fls. 825-827), SIDENI SONCINI PIMENTEL e seus filhos RODRIGO GONÇALVES PIMENTEL e RENATA GONÇALVES PIMENTEL (fls. 828-832) e SERGIO FERNANDES MARTINS", diz parte da denúncia.
Desembargador Wladimir
No ano de 2020, VLADIMIR ABREU declarou possuir em "disponibilidades em caixa" o valor de R$ 425.310,50. O que chamou atenção da Polícia Federal em relação ao valor declarado foi que, ao analisar os dados bancários fornecidos pelas instituições financeiras, não foi possível identificar, no ano de 2020, saques de valores em suas contas que justificassem o valor declarado em disponibilidade.
No ano-calendário de 2021, Vladimir Abreu declarou que esse valor em disponibilidades em caixa passou para R$ 580.360,00. No ano-calendário de 2022, Vladimir Abreu declarou que esse valor em "disponibilidades em caixa" passou para R$ 560.410,00.
"É incomum armazenar essa quantidade de dinheiro como "disponibilidades em caixa" atualmente, não se sabendo a origem dos mais de R$ 500 mil reais declarados aparentemente em espécie por Vladimir Abreu, sendo, a nosso ver, mais um indício de venda de decisões judiciais", considerou a polícia.
Alexandre Bastos
Em análise aos dados fiscais da Receita Federal, consta na Declaração de Imposto de Renda de Alexandre Bastos a aquisição de um imóvel localizado em Aparecida do Taboado, no dia 12/10/2021, pelo valor de R$ 95 mil, pago à vista. Entretanto, frente aos dados bancários disponíveis, não foi identificado nenhuma transação bancária para a empresa alienante ou para seus sócios que justificasse o pagamento do referido imóvel, o que, segundo a Polícia Federal, causou estranheza. "Assim, levanta-se o questionamento do modo de como teriam sido pagas e a origem dos recursos financeiros utilizados".
Os policiais também não encontraram transações bancárias que aparentassem corresponder ao pagamento da aquisição da AMAROK V6 no valor de R$ 280.990,00 pelo desembargador, restando o questionamento de como teriam sido realizadas as contrapartidas financeiras.
"Cabe consignar que, para o ano-calendário 2023, o Desembargador Alexandre Bastos declarou possuir apenas os veículos JAGUAR EPACE P250 no valor de R$ 269 mil e AMAROK V6 no valor de R$ 280.990,00, ambos comprados em anos anteriores. Ocorre que, conforme será demonstrado, ALEXANDRE BASTOS teria comprado outros três veículos no ano de 2023, sem que tivesse declarado tal patrimônio em sua DIRPF ano-calendário 2023".
Conforme notas fiscais identificadas, em 19/06/2023, Alexandre Bastos teria comprado um FIAT ARGO TREKKING pelo valor de R$ 85.800,00. O pagamento teria ocorrido através de três duplicatas, sendo a primeira no valor de R$ 78.568,65 com vencimento em 19/06/2023, a segunda no valor de R$ 3.615,67 e vencimento em 19/07/2023 e a terceira no valor de R$ 3.615,68 e vencimento em 21/08/2023. "Ocorre que, segundo dados bancários disponíveis, não foi possível identificar o pagamento das referidas duplicatas através das contas do Desembargador ALEXANDRE BASTOS, ficando o questionamento de como teriam sido pagas e a origem dos recursos utilizados".
Em 2023, foi identificada uma nota fiscal de 04/07/2023 no valor de R$ 201.990,00 referente a compra do veículo CHERY/TIGGO8 16TA. Segundo o documento fiscal, o pagamento teria ocorrido através de quatro duplicatas, sendo a primeira no valor de R$ 18.200,00 com vencimento em 06/07/2023, a segunda no valor de R$ 15 mil e vencimento em 06/07/2023, a terceira no valor de R$ 16.800 e vencimento em 06/07/2023 e a quarta no valor de R$ 151.990,00 e vencimento em 03/08/2023. Ocorre que, segundo dados bancários disponíveis, foi possível identificar apenas o pagamento da duplicata no valor de R$ 16.800,00 através das contas do Desembargador ALEXANDRE BASTOS no dia 04/07/2023. "Assim, fica o questionamento de como teriam sido pagas as demais duplicatas e a origem dos recursos utilizados".
Sérgio Martins
Os policias também identificaram inconsistências entre compras de carros, mas chamou atenção a compra de gados. "Os dados fiscais disponíveis permitiram identificar, para o ano de 2017, que SERGIO FERNANDES MARTINS teria comprado de seu pai, o Desembargador aposentado SERGIO MARTINS SOBRINHO (CPF 068.781.991-15), a quantidade de 80 cabeças de gado no valor total de R$ 63.060,48, conforme NF 1.129.157 de 24/07/2017. Não obstante, frente aos dados bancários disponíveis, não foram identificadas transações bancárias que indicassem o pagamento da referida compra. Destarte, levanta o questionamento de como tal pagamento teria ocorrido. Ademais, ainda em 2017, foi identificada a NF 1.319.871 (25/10/2017) indicando a venda de 30 cabeças de gado do Desembargador SERGIO MARTINS para DANILO SORIANO ARTILHA FERREIRA, no valor total de R$ 22.650,00. Entretanto, novamente, não foram identificadas transações bancárias que indicassem o recebimento da venda do gado pelo Desembargador".
Também chamou a atenção o acréscimo de valores em espécie declarados como saldo por Sérgio Martins em 2023. Em 2022, ele declarou ter R$ 38.770,00 em saldo em espécie moeda corrente e em 2023 relatou o aumento do saldo para R$ 141.727,90, um acréscimo de R$ 102.957,90 em espécie. "Entretanto, os dados bancários disponíveis não indicaram saques em espécie que pudessem justificar esse aumento. Ademais, frente aos dados fiscais por ele declarados, não se verificou qualquer venda de patrimônio que permitisse supor recebimento em espécie. Desse modo, resta o questionamento da origem do capital declarado em espécie".
Sideni Pimentel
SIDENI PIMENTEL declarou no ano-calendário 2015 ter alienado dois imóveis e através dessas negociações teria adquirido cotas de capital social em nome de sua esposa MARIA APARECIDA GONÇALVES PIMENTEL da empresa RGP & SHORP HOLDING E PARTICIPAÇÕES LTDA, CNPJ 12.656.664/0001-92 no valor de R$ 657.449,00 cujo proprietário era RODRIGO PIMENTEL e sua esposa SILVIA PIMENTEL.
O primeiro ponto é que o Desembargador SIDENI PIMENTEL não havia declarado esses dois imóveis em sua declaração no ano-calendário de 2014, no entanto, no ano- calendário de 2015 o investigado declara como se esses imóveis já estivessem em seu patrimônio no ano anterior, mesmo os bens não constando em sua declaração de 2014.