A travesti de 31 anos que teve 90% do corpo queimado em Campo Grande não resistiu aos ferimentos e faleceu na madrugada dessa terça-feira (21), na Santa Casa, onde estava internada desde o ocorrido.
A informação foi divulgada pela página da Associação de Travestis e Transexuais do Mato Grosso do Sul (ATMS) no Facebook e confirmada pela reportagem por meio da assessoria de imprensa do hospital e com amigos.
“Neste momento de dor, nos solidarizamos com aqueles que a amavam e que tiveram o privilégio de conhecê-la. Que possamos honrar sua memória continuando a luta por um futuro onde todas as vidas sejam respeitadas e valorizadas”, cita a nota da ATMS.
A vítima foi atingida por um incêndio em sua casa provocado por outras duas travestis, após uma briga generalizada em uma casa noturna entre a noite de sábado (18) e a madrugada de domingo (19). As duas autoras foram presas em flagrante.
O caso
A investigação ainda busca compreender qual seria a motivação para o homicídio contra uma travesti. Uma amiga da vítima, de 26 anos, revelou que na noite de sábado (18) estavam em uma casa noturna, acompanhadas de um grupo composto por 15 pessoas, dançando, quando outras duas travestis, Baby e Yara, surgiram alteradas.
Na versão dela, as autoras passaram a tirar sarro da vítima, que dançava na rodinha com os amigos batendo palmas e cantando. Em determinado momento, uma dessas teria apontado para a vítima, batendo contra o próprio peito e exibindo os seios em sinal de provocação. Para a testemunha, as duas travestis foram ao local para brigar.
A vítima e a amiga tentaram ignorar a provocação, mas uma das autoras persistiu no ato, balançando os seios e chamando a vítima para briga. Ela não suportou e foi ao encontro da rival, iniciando a discussão e a troca de tapas e socos. Nesse momento, ainda na versão da amiga, outra pessoa entrou no meio e também bateu na vítima.
Essa pessoa foi apontada pela testemunha como sendo mandante do homicídio. Em seguida, quando outras pessoas também se envolveram na confusão, os seguranças da casa noturna intervieram para separar os grupos, expulsando as duas travestis agressoras, que passaram a jogar garrafas contra a porta do local.
Cerca de uma hora depois do ocorrido, a vítima e a amiga foram embora, ficando em seguida por um período paradas em frente a casa da vítima conversando e resolveram ir para outra boate. Antes, a amiga foi para a sua casa trocar de roupa e, ao voltar, encontrou a vítima ferida, com a casa incendiada.
A amiga detalhou no depoimento que a vítima pediu para retirar o seu cachorro de estimação, que estava dormindo embaixo de sua cama, no quarto. A amiga disse que entrou na casa e tirou o animal em segurança. Quando saiu, se deparou com as duas travestis autoras, que tinham retornado ao local.
No ato, a vítima pediu para ela fugir e a amiga deixou o cachorro na rua e correu para a sua casa, nas proximidades, pegou uma faca e retornou, mas as autoras não estavam no local. Em seguida, a vítima teria dito à amiga: "Olha o que ela mandou para mim, olha o que as meninas dela fizeram, olha como eu fiquei, amiga".
Antes da chegada do socorro, a vítima ainda teria pedido para fumar um cigarro, mesmo com o corpo todo queimado. O SAMU realizou os primeiros atendimentos e a levou para a Santa Casa, onde foi entubada e internada na UTI (Unidade de Terapia Intensiva). A amiga disse não saber o motivo da rivalidade da vítima com as autoras e a mandante.
A prisão das autoras
A prisão das autoras aconteceu na madrugada dessa segunda-feira (20), após uma equipe da Polícia Civil ir até uma pensão para travestis, no bairro Amambai, onde as duas residem. Questionadas sobre os fatos, ambas confessaram a tentativa de homicídio, detalhando que compraram a gasolina em um posto próximo da casa da vítima.
A mandante da ação apontada pela vítima e a amiga é a proprietária da pensão e estava no local no momento da chegada das autoridades, mas ela negou a participação. As duas travestis que confessaram o crime também disseram que agiram sozinhas, sem a participação de outras pessoas.
A dona da pensão declarou, em depoimento, que uma das suspeitas mora há seis meses no local e a outra está há cerca de duas semanas. Na sua versão, contou que volta das 9 horas de domingo as inquilinas chegaram alteradas e aparentando estar sob efeito de drogas, relatando que tinham brigado na boate e ateado fogo na travesti.
Ela também contou que recebeu uma ligação de outra travesti dizendo que outra pessoa afirmou que ela seria a mandante do crime e por essa razão já estava esperando a polícia chegar na pensão. Sobre a relação com a vítima, a dona da pensão explicou que há seis anos teve um desentendimento com a travesti e uma amiga dela.
Um boletim de ocorrência sobre essa confusão chegou a ser registrado, porém, desde então nunca mais viu ou falou com a vítima. Por fim, a mulher relatou que as travestis fazem referência a ela como cafetina, mas alegou que é apenas proprietária do pensionato. Também negou ter ido até a boate na noite em que os fatos aconteceram.
As duas travestis foram presas em flagrante por homicídio qualificado por emprego de fogo na forma tentada e qualificado por motivo fútil e estão aguardando pela audiência de custódia para saber se serão soltas ou transferidas ao presídio estadual. Não há registros criminais contra a identidade delas na Polícia Civil.